24.9.07


São Bartolomeu
Folha da Região -
Momento histórico. Os jornais sensacionalistas da colônia, bem como dos arredores, estavam de prontidão. O assessor de imprensa da corte, a qualquer momento, confirmaria o nome da noiva. Após dezoito horas de negociações, os ministros chegaram a um acordo, e foi marcada a data do compromisso, deixando de lado a opinião das correntes políticas e religiosas, colocando dúvidas no futuro dessa união.

A família de Dona Vera Lúcia de Semaneiros, “A Católica” repetia: “O Condado de Capepuxis bem vale uma missa (Salve Maria)”. Arrancou como dote, o controle econômico e político, levando tudo que queria. Por seu lado, a Marquesa Sandra de Capepuxis, huguenote que orava: “Na paz do meu Senhor e meu Deus Jesus Cristo caminho humildemente. Amem!”, inimiga declarada do papa, de judeus e protestantes, indicou a Princesa Fernanda sua filha, para representar o seu povo nessa rica união.

O objetivo de evitar as guerras entre protestantes e católicos era comum. Noite de São Bartolomeu nunca mais. Não se sabe, porém se havia sinceridade, mesmo porque, entre concorrentes fica sempre a interrogação: Será que te enganei ou me enganastes?

No cravo, Wilhelm Friedemann, acompanha o coral: ”Jesus Alegria dos Homens”. As testemunhas e padrinhos do casal, enfileirados, entram e se posicionam frente ao altar mor. A música de Bach se estende aguardando a chegado do padre, mas este esqueceu ou deu o cano. Sobrou para o pastor que não estava muito a fim de dividir a cerimônia com o vigário. Se para um é sacramento e vai até a morte, para o outro vai até o próximo divórcio e uma benção resolve.

As portas da catedral se abrem, a noiva surge deslumbrante. O vestido, o bouquet de rosas brancas, o véu delicado cobria-lhe a cabeça. Caia uma chuva de pétalas brancas perfumadas. No altar, Don João em uniforme de gala aguardava a chegada da noiva.

Don De Rufino entrega a mão da filha a Don João que docemente ergue o véu e revela o lindo rosto da invejada moça. Oh!óóóóóóóóóóóóóóóó! Essa não! A noiva foi trocada!
─ Fomos traídos?
O proclame distribuído em toda região indicava a Princesa Renatinha, porém, presente no altar estava a Princesa Fernanda.

O reverendo não quis saber da troca, convidou os noivos, nomeando-os com clareza:
─Aproximem-se: Princesa Fernanda e Don João Adhemar Benetti!
Empolgado, iniciou o sermão atacando o governo.
─ Depois de tantas negociações, por mais de dezoito horas para decidir quem faria a parceria com Don João Adhemar, os senhores têm a coragem de me dizer que foi o tipógrafo que montou o anuncio errado? Vou coletar assinaturas e exigir uma CPI já!

Ventura Picasso - 24/09/2007 - Folha da Região 03/10/2007 2168

14.9.07



O Fantasma da Ópera
Folha da Região
Ultimamente, como não tenho recebido a Agenda Cultural mensal, fui ao Teatro Paulo Alcides Jorge, com o intuito de conseguir, pelo menos, um exemplar do cardápio artístico araçatubense. Não encontrando, fui ao conservatório de musica, e lá também não havia. Intrigado, ao sentir que as pessoas não estavam dispostas a falar sobre o teatro, e assim como as palmeiras da Avenida João Arruda Brasil, senti também um friozinho na barriga, um calafrio e hipnotizado, amedrontado sem saber, acabei dentro do teatro.

O coração fazendo marcação como os tambores da Escola de Samba de Mangueira em cerimônia fúnebre. Escuridão total. Liguei a chave das luzes, desliguei, religuei e nada de luz. Imaginei como se sentiu La Carlotta quando abandonou, no palco, a peça “O Fantasma da Ópera”. Aquele teatro era particular, o nosso é do município. Christine Daae só dominou o palco com a ajuda de um elemento misterioso.

Aqui, porém não há mistério, e o fantasma perde tempo porque quem manda, manda mesmo, e assusta até assombração. Há uma triste realidade: o poder político ofusca a liberdade e a estética artística e cultural, provocando em nossa cidade a fuga das palmeiras do Mercadão. O Mané Motosserra está afiando os dentes para deitar as infelizes, como faz na porta das lojas; ataca as árvores, rebaixa as guias e colabora com idiotas que seduzem consumistas cegos e insensíveis com o ecossistema. Vale mais uma placa de propaganda do que a nossa amiga árvore.

Há na cidade o Partido Verde, mas não é um verde ecologicamente correto, esse verde serve para legalizar candidatos a cargos eletivos. A lei exige que o candidato seja filiado a um partido. Até hoje eu não vi sequer uma única manifestação pública em defesa da ecologia urbana defendida pelos nossos verdes. Cá entre nós, os políticos verdes não estão nem aí com a luz do palco, quanto mais com as Palmeiras Imperiais que estão no corredor da morte.

A cultura educa, e as pessoas adquirem um senso crítico de boa qualidade, pensam e interpretam a má intenção dos administradores, e certamente, o governo do município não quer saber de educar eleitor, mas investir na contracultura descaradamente. Querem corpos transportadores de cabeças condicionadas sem condições de optar. As luzes não acendem, a cultura come de graça no boteco da praça, as arvores da avenida, não se mexem apenas, já estão fugindo da cidade cheia de leis esburacadas que o Estado não obedece.
Às vezes quero crer mas não consigo. / é tudo uma total insensatez. / aí pergunto a Deus: escute amigo, / se foi pra desfazer, por que é que fez? (toquinho).


Ventura Picasso 2165

3.9.07

Bilhete de Viagem
Folha da Região

Levantei cedo, o sol surgindo lá pelas bandas do Baguaçu, preocupado em agendar uma passagem gratuita para São Paulo. Sou aposentado e não abro mão dos meus direitos. Calcei os sapatos, juntei os documentos, o guarda-chuva e ao abrir a porta, adivinhem o que encontrei? Um Pit Bull estacionado na soleira da minha porta esparramado, dormindo e ressonando sobre o meu capacho, ocupando o vão da porta, de um lado ao outro.

A cinco passos, a jovem proprietária do animal, não confunda, eu falo do Pit Bull e não do Edmundo.
─ Não há perigo, a cachorra é mansinha, diz a garota.
─ Mas, é um Pit Bull. Ela é deficiente ou renunciou a cidadania?
─ Nada disso, não tem perigo, ela deve acordar por si caso contrário fica irritadíssima.
─ Quer dizer que eu não posso sair da minha casa?
─ Tenha paciência, ela acorda logo.
Acordou, me olhou levou um susto e saiu de fininho.

Atrasado, cheguei à rodoviária e pedi a passagem.
─ Para dia 5/8 não tem! Se puder pagar R$33,80, tem.
─ Posso, só não posso perder o casamento da Renata Rufino.
─ Trouxe o documento do INSS?
─ Eis aqui o comprovante de rendimentos do Imposto de Renda.
─ Esse não serve.
─ Como não serve menina?

O superior da agência saiu da toca e veio de dedo em riste:
─ Para comprovar que é aposentado é preciso trazer uma declaração.
─ Declaração? E onde eu consigo isso?
─ No INSS uái; concluiu a moça bilheteira.
Voltando, contrariado a procura do documento, sendo brasileiro não desisto, nem que o chefe da seção pedisse certidão de nascimento do meu tataravô, carteirinha de sócio do Corinthians de 1954, certidão de batismo e de boa conduta assinada pelo Papa, atestado de residência do Sumaré na Antonio Lino com a Rio de Janeiro ao lado da barricada do prefeito etc.

Como em toda fêmea, vez que outra, a TPM pode atacar e eu, com esta cara faço o que para encarar o mau humor dessa cadela? Vou à luta entro se preciso for com tropa de choque. Em casa joguei o Estatuto do Idoso no lixo. Não ouvi dizer que um velhote tenha levado vantagem com essa partitura. Telefonando à Folha da Região relatei a fato, e a Grazi exclamou: ─ Putzzzzzzzz! Na internet fiz o download da folha do último salário e toquei a pé para o balcão da Reunidas.

Lá chegando fui atendido por outro bilheteiro. Não fez questão de nada, emitiu a passagem, paguei meia e com cara de bobo guardei a papelada saindo em direção ao kibutz imaginando como seria recepcionado pelo Pit Bull. Quem me recepcionou foi o síndico, Silvinho sabonete, que dá um jeitinho em tudo, tricotando com André que outro dia, eu havia pisado no cocosão do Basset. Pois é, com o bilhete de viagem do idoso no bolso, enquanto aguardo a diligência, o Pit Bull dorme na cama da vizinha.

2222
Ventura Picasso