27.10.10

Dilma,
a primeira presidenta do Brasil?
CARTA CAPITAL
Quarta-Feira, 27 de Outubro de 2010

A práxis é de negar papeis de mando às mulheres, mas Dilma ocupou cargos, tipicamente exercidos por homens. Ela construiu sua história com esforços contínuos diante dos embates diários, não apenas humanos, mas, sobretudo, femininos. A dedicação apaixonada a uma causa é o que distingue a pessoa que tem vocação daquela que possui um emprego, vive da política, como os políticos profissionais. Dilma não é uma política profissional, militou desde a ditadura por vocação, imprimindo um significado pessoal para sua vida: acabar com as formas de discriminação e desigualdades.
Katarina Pitasse Fragoso e Nathália Sanglard.


A construção das relações sociais é configurada por uma dialética entre opostos – alter e ego, senhor e escravo, homem e mulher – que, no entanto, não implica na supremacia de um lado sobre o outro, já que a definição é dada pela composição das forças a partir de diálogos.Todavia, historicamente, o homem se (im)pôs como senhor, edificando o projeto de reinar sobre o instante e construir o futuro. Nesse cenário, a mulher estava submetida à restrição dada pelos padrões opressores consagrados pela cultura patriarcal.
Durante séculos, a mulher suportou seu destino social de se ater ao zelo da esfera doméstica. O preparo desse lócus inicia-se já na infância, pois até mesmo os brinquedos dedicados às meninas fazem alusão ao papel que a sociedade relegava a elas, que não variavam entre panelas e bonecas.
Contudo, a mulher identificou o mal-estar de que algo estava errado e lançou-se para adquirir sua liberdade, seu direito de ir e vir. Esta consciência de transcender as tarefas domésticas ganha força, no século XIX e início do XX, com a reivindicação dos movimentos feministas que visavam, sobretudo, a igualdade de tratamento entre os gêneros. Esse era o início de um embate entre as mulheres e os valores construídos pela sociedade dominada pelos homens.
Ao longo dos últimos anos, a mulher foi, gradativamente, ocupando espaços sociais. Um passo histórico para o reconhecimento dos direitos das mulheres, bem como das demais supostas “minorias”, foi conquistado com o surgimento da ONU, em 1945. Tal cenário possibilitou um novo ponto de vista: o respeito das diferenças.
No Brasil, a referida conjuntura também foi experimentada. Tivemos momentos os quais foram importantes para o avanço das lutas das mulheres brasileiras, como a realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que buscou, especialmente, incentivar o progresso no campo cultural a partir de mudanças dos costumes sociais. Dentro desse quadro, a Semana atribuiu grande projeção a figuras femininas da época, como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
Uma demanda que sempre esteve na pauta das mulheres foi adquirir direitos políticos plenos, ou seja, votar e ser votada. O esforço das mulheres para atingir o sufrágio significava, sobretudo, a independência ideológica, o ingresso nas participações públicas para decidir, assim como os homens, sobre as questões sociais relevantes (1).
O direito ao voto das brasileiras foi assegurado em 1932, mas ele ainda continha diversas reservas, pois apenas as mulheres casadas com autorização dos maridos e algumas solteiras e viúvas com posses detinham tal direito. Em 1934, o modelo anterior foi eliminado e o voto feminino passou a ser obrigatório para as mulheres que ocupassem cargos públicos. Só com a Constituição de 1946 o voto feminino ganhou amplitude (2).
Entretanto, mesmo com o direito ao voto, a mulher só ganha plenamente seu direito político em 1988, ano em que mulheres foram eleitas para legislar na Câmara dos Deputados. Em 1990, tivemos a primeira senadora e, em 1994, a primeira governadora (3).
Em 2010, temos uma eleição importantíssima, já que, pela primeira vez, presenciamos uma candidata no segundo turno com chance de ocupar o cargo da presidência brasileira. Mas, para que isto aconteça, o homem deve encarar a mulher como seu semelhante, como igual. Pois, em sendo a mulher vista como sujeito, como parte, então é possível a reciprocidade, em virtude de a relação ser pautada por sujeitos iguais (4). As mulheres devem, portanto, identificar essa potencialidade e se unir para conquistar mais esse espaço que tradicionalmente não possuem.
A práxis é de negar papeis de mando às mulheres, mas Dilma ocupou esses cargos, tipicamente exercidos por homens. Ela é uma representante preparada, em virtude de haver construído sua história com esforços contínuos diante dos embates diários, não apenas humanos, mas, sobretudo, femininos.
A dedicação apaixonada a uma causa é o que distingue a pessoa que tem vocação daquela que possui um emprego, vive da política, como os políticos profissionais. Dilma não é uma política profissional, militou desde a ditadura por vocação, imprimindo um significado pessoal (5) para sua vida: acabar com as formas de discriminação e desigualdades que muitas vezes, por interesses velados, a sociedade não quer equacionar.
Hoje, apesar das diversas contribuições sociais, a verificação de dificuldades urgentes exige transformações institucionais e esforços da comunidade. É necessária a dialética entre o alter e o ego, entre o homem e a mulher, entre a sociedade e o cidadão. Mulheres e homens brasileiros, devemos nos unir para conquistar mais um marco histórico: Dilma presidenta.


NOTAS

(1) Uma causa legitimamente feminista.(2) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.(3) Idem.(4) BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.(5) Para Weber somente tem vocação aquele que serve a uma causa e torna sua a causa a que serve, que lhe dá significado pessoal e dedica-se apaixonadamente a ela. (WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cutrix, 2004)(*) Katarina Pitasse Fragoso é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: katepitasse@hotmail.com(**) Nathália Sanglard é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: nathaliasanglard@gmail.com

24.10.10


Pedro e o Globo
24/10/2010
Pedro, pastor de ovelhas, todo dia enganava a população gritando: “Olha o lobo!”. No dia em que o lobo apareceu, efetivamente, ninguém acreditou nos seus gritos. Quem acredita num mentiroso contumaz? Lembrei-me dessa história vendo o Jornal Nacional e a primeira página de O Globo, nessa sexta-feira. Assim, quando no domingo, 24 de outubro, o Globo escrever que é domingo, 24 de outubro, duvide, procure outras fontes antes de vestir sua roupa dominical.

Por José Ribamar Bessa Freire (*)

“A política é a melhor alternativa que a humanidade encontrou para substituir o maior prazer que um ser humano pode ter: bater até à morte para depois comer o fígado do outro, abocanhando-o com a carne ainda quente e o sangue ainda fresco. Quem não está disposto a reconhecer isso, não consegue superar a própria vontade de devorar o outro. Por isso, se num debate político te chamo de criminoso e te xingo, fica contente, isso ainda é melhor do que você ser servido à minha mesa”.
Quem diz isso é meu amigo Henrique Sobreira, professor da UERJ, crítico, irônico, debochado, passional, lúcido, gozador e, sobretudo, fazedor de frases. Para relativizar a oposição entre civilização e barbárie, Henrique lembra que os maiores atos de violência humana sempre foram cometidos por pessoas que se autoproclamaram civilizadas e consideram que “o outro” era alguém que devia ser “educado”. Isso pode ser comprovado nos últimos cinco séculos: de Isabel - a Católica e Dom Manoel - o Venturoso, até os Georges Bushinho e Bushão. Os índios e os mulçumanos que o digam.
No Brasil, pelo menos nas campanhas eleitorais, a política substituiu a antropofagia. Salvo o bispo de sugestivo nome Sardinha, ninguém foi jantado e devorado pelo adversário, ainda que pequenas violências realizadas dentro de certos limites e hipócrita ou sinceramente condenáveis, tenham sido cometidas ao longo da história, como mostram exemplos mais recentes.
Cantando “espada de ouro quem tem é o marechal”, eleitores do marechal Lott cuspiram na cara de Jânio Quadros; o general Figueiredo chamou os estudantes de Florianópolis pra porrada; jogaram ovo e apedrejaram o Mário Covas; atiraram uma galinha preta na Marta Suplicy; esbofetearam o Collor em Niterói; lançaram uma torta na cara do Berzoini, então presidente do PT. Um velhinho deu umas bordoadas no Zé Dirceu. Vaiaram o presidente Lula na abertura do PAN. Esses gestos de violência não deixaram sequelas físicas ou morais.

Dois Serra

Um dia, caminhando pelo calçadão de Icaraí, em Niterói, encontrei um amigo, também professor da Uerj, Ronaldo Coutinho, um doce radical, que se arrastava, todo esparadrapado, exibindo hematomas pelo corpo. Dias antes, ele havia dado um soco no Collor e os seguranças moeram-lhe o corpo de porrada. Apesar de dolorido, estava feliz, feliz da vida: “estou quebrado, mas acertei o pústula” – dizia, rindo, como um menino travesso. Confesso que fiquei na fronteira da política e do canibalismo, quando invejei a façanha do Coutinho. Ele fez o que eu e a metade do povo brasileiro queríamos fazer. Estou orgulhoso de ser seu amigo.
E isso porque a bofetada no Collor foi mais simbólica do que física, se situou entre a sapatada no Bushinho e a estatueta de metal lançada contra o Berlusconi na Itália. Agora acertaram José Serra com uma bolinha de papel, que assumiu várias formas: “fita adesiva”, “artefato”, “tampa de garrafão de água mineral”, “objeto contundente”, “projétil”, até chegar a uma “bobina de papel crepe que arremessada com força pode provocar danos graves na pessoa atingida” segundo o bobinólogo Merval Pereira, articulista do jornal O GLOBO. E é aqui que o fiofó da cotia assovia, ou como poderia dizer Orozimbo Nonato: Hic culum cotiae sibilare.
A cotia assovia quando digo que admiro o José Serra. Sinceramente. Sem ironia. Juro. Faço um juramento amazônico: quero ver minha mãe mortinha no inferno, quero que Santa Luzia me cegue se estou mentindo. Mas o Serra que eu admiro é o de carne e osso, que nasceu pobre, filho de um feirante, ex-presidente da UNE, que amargou o exílio, lutou pela redemocratização do país, foi deputado, senador, prefeito, governador, ministro da saúde – bom ministro. Aquele que no início da campanha reconhecia os acertos do governo Lula. Nesse até que dava pra votar. Mas ele não é candidato.
O candidato é o outro Serra, aquele conivente com a mídia conservadora - que o inventou - comprometido com interesses dos setores mais atrasados e obscurantistas do país, arrogante, gigolô do sagrado e da religião, dono da verdade. Aquele cuja mulher declara que a adversária é a favor de matar criancinhas, que quando questionado sobre isso posa de vítima e baixa o nível do debate, que usa o tema do aborto no palanque eleitoral, que se deixa liderar pelo seu vice Índio da Costa – um paspalhão – em política externa e de segurança. E ai Serra perdeu: na emblemática escolha do vice.

A credibilidade

Nesse outro Serra, metamorfoseado em Opus Dei, que espetaculariza sua fé na Virgem de Aparecida, eu não voto, embora o respeite, porque ele é o candidato de mais de 40 milhões de brasileiros, alguns deles amigos muito próximos, com quem mantenho fortes laços afetivos, mesmo se nesse momento um de nós vai pra lá e o outro vem pra cá. No Serra que não voto é no Serra da Rede Globo, que arma, desinforma sataniza, que zomba da minha inteligência, que acha que o cidadão é um otário, que esqueceu os gritos do povo nos comícios das Diretas Já:
“O povo não é bobo, abaixo a TV Globo”.

Nessa semana, os telejornais da Rede Record e do SBT mostraram que Serra foi atingido por uma bolinha de papel atirada por um grupo de mata-mosquito que ele demitiu quando ministro da Saúde. O Jornal Nacional dedicou sete longos e caríssimos minutos para “provar” que a bolinha de papel era só parte da história, tinha havido outra agressão. Apresentou imagens nebulosas, interpretadas por um perito de reputação duvidosa, que diz que está vendo aquilo que não estou vendo, embora olhemos as mesmas imagens. O atentado, então, justificaria que Serra procurasse o médico, ex-secretário de saúde do Cesar Maia, para fazer uma tomografia computadorizada.
Francamente. Por serdes vós quem sois! Não exagereis para não serdes exagerado. Imaginem vocês se depois da cuspida que levou na cara, o histriônico Jânio Quadros exigisse um exame de abreugrafia, desconfiado de que o eleitor de Lott era certamente um tuberculoso que numa guerra química queria contaminá-lo. Serra é o primeiro paciente no planeta que faz tomografia por causa de um arremesso de uma fita crepe. Num país gozador como o Brasil, ele passou a ser objeto de piada, quando merecia contar com nossa solidariedade, se o fato não fosse manipulado e hiperdimensionado.
O episódio de violência, mais que nada simbólica, tem que ser condenado de qualquer forma, com veemência, com a mesma veemência com a qual devemos rejeitar sua exploração política, da forma mais torpe e manipuladora de factoides. Apesar disso, é preciso discordar também da intervenção do Lula que, como presidente da República, representa todos os brasileiros e não podia bater boca com um candidato. Não cabia a ele esse papel.
Numa época em que não havia escrita, no século VI antes de Cristo, na Grécia, um ex-escravo, chamado Esopo, que tinha o dom de narrar, contava entre outras a história de Pedro e o Lobo. Pedro, pastor de ovelhas, todo dia enganava a população gritando: “Olha o lobo!”. No dia em que o lobo apareceu, efetivamente, ninguém acreditou nos seus gritos. Quem acredita num mentiroso contumaz? Lembrei-me dessa história vendo o Jornal Nacional e a primeira página de O Globo, nessa sexta-feira. Assim, quando no domingo, 24 de outubro, o Globo escrever que é domingo, 24 de outubro, duvide, procure outras fontes antes de vestir sua roupa dominical.
P.S. – Às vezes, autoritário. Às vezes, ranzinza e ligeiramente rabugento. Sempre, amigo dos índios Guarani. Armando Barros, professor da UFF, parceiro em tantos projetos, nos deixou nesse sábado, com muita saudade. Seus alunos, seus colegas e os guaranis choram a perda.
*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no “Diário do Amazonas” coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte. Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa “Pró-Índio”. Mantém o blog “Taqui pra ti” e é colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.

Postado por René Amaral às 10/24/2010 07:00:00 PM









19.10.10


Marina,
...você se pintou?
Maurício Abdalla
"Marina, morena Marina, você se pintou" - diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o "grito da Terra e o grito dos pobres", como diz Leonardo Boff.
Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as "famiglias" que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.
Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas "os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz". Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.
Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. "Azul tucano". Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP e o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.
Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a "vitória da Marina". Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.
"Marina, você faça tudo, mas faça o favor": não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você "tanto faz". Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem "esse rosto que o povo gosta, e que gosta e é só dele".
Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. "Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu".
Quarta-feira, 6 de outubro de 2010 - 16h28min.
Maurício Abdalla é Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.



Desculpe Marina,
mas eu estou de mal

Maurício Abdalla

Marina há os que a conhecem de agora, como candidata aplaudida pelos mass media. Esses podem estar de bem com você. Mas há os que a conhecem como a militante cristã, engajada nas causas sociais que os que hoje a paparicam jamais tiveram sequer conhecimento – ou, de qualquer forma, com elas nunca se importaram. Há os que também a conhecem como a doce e ferina oposição ao Governo do PSDB em seu mandato como senadora. Esses, Marina, como eu, estão de mal.
Neutra, Marina? Neutros, ficamos diante de questões que nos são indiferentes. É-lhe indiferente o futuro do nosso país? Custa-me crer, pois sua história um dia a posicionou. Posicionou-a, inclusive, ao lado de Lula. Não acredito que para você tanto faça a continuidade do atual Governo ou o retorno dos tucanos. Sabe por que, Marina? Porque não “tanto fez” para você durante os 5 anos e meio em que esteve no Governo. Ou você também ficaria tanto tempo como ministra de um Governo do PSDB/DEM? Ou se o governo Lula fosse igual ao do FHC? Alguma diferença havia de ter, não é verdade? Caso contrário, suas motivações passariam a ser um tanto quanto paradoxais.
Em que pese às decepções que tivemos Marina, não nos é indiferente – a nós que pensamos nos pobres e na justiça social – o fato de 30 milhões de pessoas terem, hoje, o que comer. Não podemos dizer que tanto faz um salário mínimo de R$ 300,00 ou de R$ 510,00. Que mais 15 milhões de pessoas tenham emprego, em contraste com o presidente anterior que cunhou o termo “inempregáveis” como resposta ao desemprego, é fato que não pode deixar de tocar-nos o coração.
É diferente, Marina, tratar os presidentes de outros países, quando são índios, mestiços e ligados aos movimentos sociais, como legítimos mandatários ou tratá-los como ralé que deveria submeter-se aos EUA e ao sub-imperialismo de nosso país gigante.
Temos severas críticas ao Governo Lula, mas nenhuma delas se assemelha às críticas das elites e de seus meios de comunicação. Nenhuma delas pode ser superada por alguma proposta do Serra. Ao contrário, o retorno do PSDB/DEM apenas aumentará as nossas bandeiras de oposição.
Em situações como esta, a neutralidade é um péssimo exemplo para os jovens. Ainda espero que você se posicione. Ainda aguardo que você volte a ser a Marina, de família de seringueiros, cristã, militante, sindicalista e Silva. E que repita para essa juventude que não conheceu o governo do PSDB/DEM tudo aquilo que você já disse sobre ele no senado.
Ainda espero. Pois eu, ao contrário de Caymmi – e, em certo sentido, ao contrário também de você que ainda rumina uma mágoa mal digerida do Governo – “quando me zango, Marina, eu sei perdoar”.

Maurício Abdalla é Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), etc.

17.10.10


CARTA MAIOR
17 de Outubro de 2010
Política 17/10/2010 Copyleft
Bernardo Kucinski
Os envergonhados e os desavergonhados
Todas essas amigas minhas, da Vila Madalena, de Pinheiros, da USP, mulheres esclarecidas, emancipadas, que votaram na Marina apesar de evangélica e anti-aborto, agora descobriram que todo o seu estado maior é formado por tucanos. Ou ainda não descobriram? A vocês todas, eu digo: não se trata agora de derrotar o Serra ou o neoliberalismo. Tudo isso é transitório, efêmero. Trata-se de derrotar a grande conspiração obscurantista. Trata-se da luta milenar da razão contra a superstição, da tolerância contra o fanatismo, da modernidade contra o atraso. O artigo é de Bernardo Kucinski.
Rompo meu silêncio de três anos na Carta Maior por causa da minha mulher. Ela perguntou: você não vai fazer nada? Não vai participar da campanha? Eu não sou mais jornalista, respondi, sou ficcionista; não quero mais saber de política, chega cinquenta anos sendo usado, agora chega. Ela acabara de ler a história do bispo que mandou imprimir dois milhões de folhetos contra a Dilma. Eu lembrei ter dito a ela que a Igreja Católica estava traindo, já naquele dia em que soltaram o manifesto acusando Lula da fascista, com a assinatura do Dom Paulo. O pobre homem em estado avançado de Alzheimer, e arrancam dele essa assinatura.A Igreja não está traindo, está fazendo o que sempre fez, ela respondeu. Nós acabávamos de voltar de uma viagem à Cartagena, na Colômbia, onde visitamos o museu da Inquisição. Os instrumentos de tortura ali exibidos, de fazer o DOI-CODI sentir vergonha, ficaram gravados fundo na nossa imaginação.Está traindo sim, eu falei, está traindo em primeiro lugar porque usou um método traiçoeiro, o método das mentiras, da difamação, em segundo lugar porque está usando o dinheiro que arranca dos pobres para combater o governo dos pobres, e em terceiro lugar porque está usando uma eleição universal, republicana, para emplacar um dogma religioso, dogma dos mais nefastos, que só prejudica as mulheres pobres. Um Papa decidiu lá em Roma, que o aborto é a linha divisória entre uma sociedade moderna, laica, regida pelo saber científico, e a sociedade atrasada, na qual os padres mandam na vida das pessoas e a Igreja por isso mantém seu poder. E veio a ordem, lancem a campanha contra o aborto bem no meio da campanha eleitoral. Eles são profissionais. Fazem isso há dois mil anos, desavergonhados, Os evangélicos, amadores, entraram de carona. Agora vou falar dos envergonhados, esses que passaram oito anos disseminando mentiras sobre a transposição do São Francisco, acusando Lula de só beneficiar o agronegócio, demonizando as novas hidroelétricas, tumultuando audiências públicas em nome de índios e caboclos desprovidos de luz elétrica, obstruindo a construção de pontes e estradas que integrariam o continente, combatendo os transgênicos em nome de uma visão pré-darwiniana da natureza, esses que se condoem com gatinhos e pererecas, mas não com os meninos de rua ou os moradores de palafitas. Esses que agora estão lançando manifestos dizendo envergonhadamente para votar contra o Serra. Por que não dizem bem alto, votem na Dilma. E também essas todas, amigas minhas, da Vila Madalena, de Pinheiros, da USP, mulheres esclarecidas, emancipadas, que votaram na Marina apesar de evangélica e anti-aborto e agora descobriram que todo o seu estado maior é formado por tucanos. Ou ainda não descobriram? A vocês todas eu digo: não se trata agora de derrotar o Serra ou o neoliberalismo. Tudo isso é transitório, efêmero. Trata-se de derrotar a grande conspiração obscurantista. Trata-se da luta milenar da razão contra a superstição, da tolerância contra o fanatismo, da modernidade contra o atraso. (*) Bernardo Kucinski é jornalista, autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000)

12.10.10


Ventura Picasso

Fui obrigado por sua sugestão a rever, na ‘Estação Historia’ (1870) de Franklin Martins, o Manifesto Republicano. A sua crônica ‘Perdi a paciência’, Dr.ª Fátima, agasalha o momento político com maestria. Conteúdo inigualável. Claro que tenho uma visão social, talvez pela minha idade, dos fatos políticos no Brasil, acomodada ou compreensiva. As labaredas juvenis transformaram-se em brasas, mas ainda aquecem minha utopia.
A ‘publicidade’ partidária quer queiramos ou não é pautada pelo modismo, e não pela consciência política, que a cada período eleitoral se regenera, sai do armário, veste o pretinho básico, e dita as velhas regras: “Comunistas comem criancinhas”.
Hoje, somos obrigados a comungar com o tal pecado mortal do aborto. Essa gente falsa fingindo que não vê as estatísticas referentes ao problema onde você cita em 3 de setembro de 2010, ‘É possível uma ressonância magnética do aborto no Brasil?’: “Uma mulher em cada cinco, aos 40 anos, fez aborto”. Nesse meio, certamente, não há religiosas pertencentes as mais diversas correntes cristãs existentes. Aqui só se reconhece o cristianismo.
Pelo poder fazem qualquer coisa. Mudam o foco principal. Passam para o segundo plano, a substituição do Presidente da República, os projetos do novo governo, que são trocados por um tema moleque cheio de espertezas buscando confundir o eleitorado. Não há patriotismo, mas pura malandragem (termo apropriado para chefes de quadrilhas).
Defendendo os interesses tucanos, uma dondoca discursando em feira livre, se perde e sai com essa: “Dilma mata criancinhas”. As criancinhas são as mesmas dos comunistas. A dondoca é a mesma reaça da Guerra Fria, porém o eleitor já não é o mesmo.
Os grandes cronistas formadores de opinião, não formaram nada em 2006, hoje estão na roça. O Jabor voltou a filmar. Os candidatos que não seguem a moda da mídia PIG, não fazem eco entre as massas. A máxima oportunista, “ajoelhou tem que rezar”, prevalece. A grande imprensa não tem limites, mas limita o que bem entende.
O judiciário por sua vez, que faz às vezes do legislativo aprovando o documento com foto, jogando o Título de Eleitor no lixo gerou uma grande abstenção, quer cassar o Tiririca. Não pela palhaçada, provavelmente por trazer a reboque na sua cesta de votos, o delegado Protógenes. Democraticamente, o eleitor crítico ou gozador, não deve derrotar com seu voto a elite. Os velhos ditados, ‘a voz do povo é a voz de deus’, ou ‘todo o poder emana do povo’, é para o povo acreditar e viver feliz. Só isso!
Num país republicano como o Brasil, quando usamos o dinheiro ao pagar uma conta, para que ninguém se esqueça das trinta moedas, há um breve lembre: 'Deus seja louvado'.
Os caminhos do fundamentalismo religioso estão abertos há um bom tempo. A disputa entre os rebanhos militantes é encarniçada. Os protestantes evangélicos se juntam para enfrentar os católicos. Nas câmaras, nas assembleias e no Congresso Nacional pelo lobby evangélico, juntas todas as tendências, padres, pastores e eco verdes falam a mesma língua: Não à mulher. Mulher é objeto.
O mais interessante nos dias atuais, e se não me falha a memoria, o Partido Verde PV que, espertamente, deu o tom do santificado eco aborto no esquete eleitoral, tem incluído em seu programa, a legalização do casamento homossexual, a legalização e descriminalização do aborto e da maconha (drogas). A tese é justa, mas em campanha, a prática é a do bico fechado. Que papelão.
Eu assim como você, Dr.ª Fátima, “Perdi a paciência: quero a República terrena de volta”! (pelo voto). FONTE: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=13127,OTE
Ventura Picasso
3055





7.10.10


Professores e pesquisadores de Filosofia lançam manifesto pró-Dilma
Um grupo de professores e pesquisadores de Filosofia, de várias universidades do Brasil, decidiu lançar um manifesto em apoio à candidatura de Dilma Rousseff para a Presidência da República. "Cremos que sua chegada à Presidência representará a continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os últimos oito anos", diz o texto. Os professores e pesquisadores de Filosofia também manifestam preocupação com a instrumentalização do discurso religioso na presente corrida presidencial.
Redação
Professores(as) e pesquisadores(as) DE FILOSOFIA interessados em assinar o manifesto, favor enviar email com nome completo, vínculo institucional e demais informações que acharem relevantes para o endereço: manifestoprodilma@gmail.com.
Política 07/10/2010 Copyleft

2.10.10


Postado no tijolaço.com
Blog do Brizola Neto
02102010
Não tenho pesquisas, nem trackings, nem grupos de análises. Não tenho, sequer, experiência acumulada de disputas eleitorais. Mas há algo em mim que, a esta altura, com o corpo cansado, a garganta rouca e, permita a expressão da minha avó, os nervos em pandarecos, despeja em meu sangue uma grande dose de tranquilidade.Fizemos o que tínhamos o que fazer. Jamais nos entregamos. Nunca tergiversamos. Não houve um minuto sequer de vacilação.Dúvidas? Sempre as tivemos. Um ser humano, com os anos, aprende que a dúvida não é sinônima de vacilação, mas uma sadia abertura mental que nos afasta da pretensão de sermos donos da verdade. Alguns, infelizmente, trilham o caminho inverso. Nosso adversário, por exemplo, não hesita em considerar-se o mais sábio, o mais preparado, aquele que já não precisa ouvir porque tem sempre uma certeza para falar.Lembro-me de meu avô contando porque não se juntou, nos anos 40, aos jovens universitários do PCB. Ele dizia: “olha, me incomodava que eles sempre tivessem a verdade pronta, que vinha impressa nos polígrafos”. Polígrafo, naquele tempo, era o mimeógrafo no qual se reproduziam os panfletos.Não sou um homem de grande preparo teórico, embora o ache importantíssimo e procure sempre melhorá-lo. Ajo mais com a sensibilidade, procurando juntar aquilo que tenho como princípio às coisas que sinto e absorvo do sentimento difuso e sincero da população. Posso errar, e erro, por humano. Mas penso que a lucidez não é uma virtude individual. À razão do indivíduo nunca pode deixar de somar-se a sabedoria coletiva.Porque não somos entes isolados. O ser humano, sempre se diz , é um animal social. Temos o brilho dos indivíduos, mas também possuímos o instinto dos rebanhos.A sociedade move-se ora com cautela, ora numa marcha acelerada e irresistível.Vínhamos assim. Mas a elite, aquela que historicamente tange o povo brasileiro segundo sua conveniência, chegou a pregar-nos um susto. Não nos deteve, mas é forçoso admitir que nos fez andar mais lentamente.Chegamos então ao momento decisivo em que iremos tomar um caminho.No Sul, temos uma expressão conhecida como “boi sinuelo”: aqueles que servem de referência à marcha coletiva.Tudo indica que amanhã cruzaremos o rio. Se não for assim, teremos que nos reagrupar e vamos depender, mais fortemente, de que essa grande e indócil sociedade possa identificar seus líderes e segui-los.Hoje, durante todo o dia, cada um de nós deve empregar sua energia, sua inteligência, seu sentimento de igualdade na tarefa de chamar, um por um, cada brasileira e brasileiro, a cruzar o rio que nos separa do amanhã.Se vamos conseguir? Acho que sim. Em meio a poeira da política, a milhões deslumbra o horizonte da história, esta impalpável chama que ilumina o olhar da humanidade.Agora, ou daqui a pouco, iremos ao encontro dela. Seu chamado silencioso magnetiza uma parte de nós que vai além do racional, embora não o despreze. É algo que fala aos sentimentos instintivos das grandes massas humanas, que buscam a sobrevivência e a felicidade.Um bom dia para todos, um dia em que vamos somar esforço e reflexão. Horas em que buscaremos a todo custo a vitória numa batalha, mas que não nos abaterá se nela não for vencida a guerra.Temos o indispensável para vencer. Uma causa, uma bandeira, um orgulho que não se acaba de estarmos dando o melhor de cada um de nós pelo que é melhor para todos.Vamos, ombro a ombro, com esse povo que não tem nada a não ser a certeza de que merece uma vida digna.Bom combate, neste dia que nos resta.
Brizola Neto -