O
julgamento do século: o Brasil posto à prova
Julgamento
do 8 de janeiro marca a maior prova de maturidade democrática do Brasil desde o
fim da ditadura
01 de
setembro de 2025, 06:48 h
Jair
Bolsonaro, de costas, e Alexandre de Moraes (Foto: Antonio Augusto/STF)
Se nem
sempre se pode comparar as manifestações de um indivíduo às da comunidade, há
ocasiões em que, de fato, ficamos com a impressão de que persistem fortes
analogias. Uma pessoa, enquanto cresce, no processo que a encaminha da infância
à juventude e desta à idade adulta, atravessa reações que surpreendem, como
surpreende, num país, a existência de uma personalidade coletiva, na evolução
da imaturidade para a maturidade. Enquanto vivem, os seres humanos obedecem a
impactos de diversas dimensões, o que os conduz aos estágios superiores de suas
formas de ser. Como resultado, também oferecem ao ambiente exterior perfis
compatíveis com aquilo que, enfim, um dia, imaginam ser representado no
concerto das nações. São fenômenos visíveis, sobretudo no caso de países novos,
resultantes das descobertas do Renascimento e seus desdobramentos.
Para
começar, nessas dores do crescimento, há algo da ordem do psiquismo, quando uma
coletividade decide (porque já tem condições de fazê-lo) mostrar-se à altura de
seus desafios. É assim que, num golpe de força frustrado, para que não volte a
acontecer, a Justiça se ergue e submete os envolvidos a investigações de
culpabilidade e inocência, até as provas concludentes e as sentenças que
determinam quem vai e quem escapa da cadeia. Os participantes da intentona, se
assim agiram, cumpriram papéis precisos, devaneando com a vitória e crendo na
impunidade, na hipótese da derrota. Repetiam então circunstâncias históricas de
uma eterna tolerância com os insurgentes, por meio de indultos e possibilidades
de reincidência. É o que espanta Jair Messias Bolsonaro e seus comparsas, na
medida em que, desta feita, veem-se às voltas com leis específicas e Cortes
preparadas para os inquirir. Por outro lado, nas rebeldias, pois os inculpados
custam a aceitar a condição de réus, sofrem medidas cautelares e, se
necessário, prisões preventivas, o que demonstra aos renitentes e aos
hesitantes que há um Estado e que este assegura a si o direito de se defender.
Não é sem
razão que o julgamento do 8 de janeiro, iniciando-se em 2 de setembro de 2025,
pode ser designado como “do século”. Pela primeira vez, em homenagem a um
passado nem tão distante (o regime militar de 64, de triste memória, a manobra
parlamentar contra Dilma etc.), afirma-se em alto e bom som uma disposição
sólida em favor da democracia. Ninguém ignora, a esta altura, nem as vítimas (a
sociedade como um todo), nem os algozes, que o Brasil posto à prova superou as
dores do crescimento e aprendeu a punir quem deve ser punido. Filhos, parentes
e simpatizantes de todos os tipos podem chorar, reclamar com Trump. Não
adiantará. Culpados serão condenados e se submeterão a penas severas do nosso
elenco de dispositivos legais.
O espetáculo
da nossa seriedade, no que se refere às opções pelo sistema democrático,
ultrapassará as torcidas pelo futebol. Quem perderá a chance de testemunhar
algo de tamanho monumental com que, por uma vez, mas definitivamente, nos
revelamos contemporâneos de todos os homens? À prova, nos sairemos com
certidões de dignidade. Certos de que ditadores já não se criam neste lado do
mundo.
Ronaldo Lima Lins - Escritor e professor emérito da
Faculdade de Letras da UFRJ
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