23.12.06


“Natal sem Fome”

Em nossas vidas, a esperteza, o uso do ‘código de ética’ para autodefesa, as manobras amalandradas para obter resultados sempre embaçados, é uma constante no dia a dia, ‘é normal’. O pãozinho de 50g está mais leve, assim ficamos com a impressão de que levamos mais pães pagando por quilo. Somos felizes, soltamos um balão de ensaio de 91%, mas ficaremos contentes com 45%.

A campanha “Natal sem fome” criada por Herbert de Souza, o Betinho, após 13 anos chega ao fim. Hoje a ONG Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, fiscaliza o programa “Bolsa-Família” que está prestes a atender 11 milhões de residências. A Rede Globo, e seus artistas que ajudam voluntariamente o “Natal sem Fome”, e estão anunciando o “Natal com Brinquedos”, sem esclarecer ao público porque não entregam mais as cestas de alimentos.

Há pouco tempo, durante a campanha eleitoral, no primeiro turno fiquei chocado com as declarações de um candidato a deputado, que para arrebanhar uma votação pífia, além de bater no candidato presidente, qualificou o programa Bolsa Família de Bolsa Esmola. A resposta veio nas urnas, e a votação obtida pelo tal candidato não daria para eleger o suplente de síndico do meu condomínio. Vai passar o Natal devendo a campanha.

Natal, para os cristãos mais sensíveis é um momento de reflexão. Eu efetivamente, não sei se é uma data alegre ou triste, só sei que é muito comercial. O ‘espírito natalino’ condicionado ao consumo globalizado, que padroniza o sistema de venda dos produtos que a população deve comprar, e compra. Milhões de almas diferentes usando os mesmos produtos, das mesmas marcas, o mesmo pernil e o panettone etc. Lembrar da data, por solidariedade ou pela festa do Natal, talvez a maioria ignore.

Não quero ser traído pelas minhas lembranças, mas lá pelos idos de junho de 2003, Maurício Corrêa na Presidência do STF, ao assumir o cargo e, na presença do Presidente Lula, desfechou um discurso de sindicalista sangado, detonando a Reforma da Previdência, principalmente, aos itens que alcançavam diretamente os magistrados. Foi uma manifestação corporativa ou apego aos vencimentos dele? Nunca saberemos.

Sou obrigado a concordar, sou brasileiro não tenho memória. Mas, não esqueço o mês de março de 2005 quando o outro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim juntou-se ao ‘saudoso’ Presidente da Câmara, Severino Cavalcante para conceder um reajuste salarial a todos os parlamentares e juízes. Homem de palavra queria cumprir promessa de campanha após conseguir os 300 votos, coincidência ou não, os mesmos votos que cassaram o Deputado José Dirceu. Porém, no momento da assinatura, o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros tinha na mão uma caneta sem tinta e não funcionou, o nobre político melou o conchavo e os outros dois pegos com o dedo no gatilho deram tiros de festim.

Sem dúvida, foi uma oportunidade única e perdida. O Severino se autoproclamava um defensor dos parlamentares, principalmente os do baixo clero seus fieis eleitores. O ex-Ministro Jobim, ‘impoluto’, longe de mim querer a ele induzir a pecha de oportunista, mas diante a fama do ‘companheiro’ da Câmara, que nunca temeu escândalos, e pouco se preocupava com a tal falta de vergonha, entendo que o Ministro estava de olho no aditivo salarial, solidário, dele e da categoria.

Essas alucinações econômicas, pesadelo pregado na memória que não tenho, e abobalhado fico imaginando qual a diferença entre um Severino populista e um Rebelo comunista. A principio, os dois queriam a Presidência da Câmara, mas de perto, percebemos que a isca é a mesma. O negocio é dinheiro nas mãos, votos no caixão e o resto é chuvarada.

Neste Natal, todos estarão felizes. O ex-ministro de 2003 também, e se patriota fosse, poderia ter iniciado a Reforma de Previdência. Como não é possível abrir mão de dinheiro algum, chegamos aos dias de hoje, metidos na mesma camisa e com o mesmo time. A esperteza está presente no pãozinho, na Câmara e na TV. E eu pergunto: Será que passou pela cabeça da banca do STF uma possibilidade invertida de lidar com o dinheiro público? Poderiam diminuir os salários dos juizes, para igualá-los ao dos deputados. Não! Não estou lembrado de alguma proposta como essa. Sou bobo, mas sou feliz...!

Ventura Picasso –3555-21-12-06

20.12.06


Contos mínimos – 4

Maria Cândida com sua troupe quando entrava no hotel, procurava o gerente e recomendava: “quero três apartamentos iguais, os melhores; Dona Benedita, minha secretária, deve ser atendida sempre que solicitar algo; Para o motorista Marreco, liberdade total no bar, boate e restaurante, e ele não pode, em hipótese alguma, ficar sem uma agradável companhia”.

Boa noite a todos, despedia-se Cândida e recomendava: ”Benedita, por favor, providencie e avise-me quando o jantar estiver servido”.
A cozinheira de tão discreta, parecia assombração, surgia do nada e desaparecia do mesmo jeito.
Marreco permanecia no hall paginando os álbuns das ‘acompanhantes’, o porteiro de plantão, ajudava dando detalhes de cada menina: ”Este álbum só tem gatinhas em início de carreira, e neste outro, as mais experientes da cidade, coisa fina”. Marreco, cansado da viagem folheava, lia relia cada currículo, o porteiro incentivava, mas nada.

Jogando os catálogos sobre a mesa de centro falou: “não quero jantar, vou ao bar beber um uísque”
Subiu ao apartamento, e como sempre, após um bom banho através do interfone fez o pedido: “Por favor, informe à cozinheira Benedita, que traga o jantar no meu quarto, e como de costume, um champanhe nacional, obrigado”.
Concentrado na imagem da mulher que ninguém via, e que surgia do nada, pensava: “Não tem mulheres e comidas mais gostosas do que a Benedita”.

1204 - Ventura Picasso - fev2006

19.12.06

Contos mínimos - 2


Não era dia de trabalho, mas intimado, saiu procurando os presentes das cunhadas. Na Praça Quinze, pescoçando os preços, entre a multidão e sem querer, é levado para o Largo da Carioca, lá onde todos pedem tudo: malabaristas, cínicos que pedem ajuda pelo amor de Deus. Outros não pedem, levam. Bilheteiros na gritaria: ”Vaca, galo, porco...”. Capiongo, envergado, encosta a cabeça na vitrine, baba encarando os preços.
A mulher poderia ser mais disposta, ter ido atrás, comprado os trecos das irmãs, enfim, dado um tiro no pepino. Mas, ele? Ele não, o cara não entende dessas coisas. Desistindo pega a reta. Viu um boteco, entrou de mansinho, olha a estufa tufada de bolinhos, a sujeira embaça os azulejos, mesmo assim lambe os beiços e de boca molhada, entre moscas embirradas grita: “Hei, uma lata redonda, trincada”.

A menina pernuda do Bar do Porco, micro saia, atrás do balcão envidraçado, virada pra ele ajoelha, faz uma graça joga a lata e vai sorrindo pegar o troco. O cara pega na direita, sem limpar a boca da lata, com um arranque do dedão gordalhudo, a tampa é arrombada. Tomba na boca chupando com os miolos torrando: “O que fóde é trabalhar no feriado, pagar as Casas Bahia e comprar badulaques pras cunhadas, obedecendo as ordens da mulher”.

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Intertextualidade
Adaptação: Ventura Picasso
Conto “As três cunhadas” de João Antonio

Contos mínimos – 3

Começava escurecer e Bernardo dirigia o Doddge Charger; ao seu lado viajava Jacó. Na praça central, deparou-se com uma matilha de cães impedindo o transito. Para quem estava morrendo de sede, cansado e louco para encontrar uma choperia, um transtorno. O pivô da concentração era uma cadelinha no cio. O chefe saltou do carro e aos gritos, exige a dispersão canina, mas a natureza fala mais alto. Nenhum cãozinho deu a mínima ao bronco moralista.

Na calçada, uma balzaquiana loira tipo Ana Braga, divertia-se com o incidente. Jacózinho de olho na mulher refletia: “sou raquítico, baixinho e ajudante de ordens de um galã disputado por todas as alas femininas que conheço, não tenho chance”. Fez um aceno à loura que retribuiu. Bernardo percebendo, ordenou que o ajudante marcasse um ponto com ela. Foi, acertou local e hora, e seguiram ao chope.

De noitinha, chegando ao endereço da Lola, Bernardo mandou Jacó subir examinar o local e avisar a mulher que iria visitá-la. O guri subiu no hall de entrada bateu, a porta se abriu e o serviçal é puxado com força para dentro da sala. Antes que ele se manifestasse, a bela mulher lhe falou:
— Eu tenho uma caminha de campanha no dormitório da empregada, se você não se importar, a gente fica muito à vontade e seguro por um bom tempo. Jacózinho, mudo, abanou a cabeça positivamente, e entrou.

Retornando ao encontro do amo já cansado de esperar e ansioso, meio sem jeito, abrindo a porta do carro:
— oi chefe, tudo bem?
— E aí, posso subir?
— Não... Foi sem querer, mas já comi...

1290 Ventura Picasso
Contos mínimos – 1

Em poucos minutos fiquei só e a estação ficou deserta. Ouço as badaladas na torre da igreja, dezoito horas; Ave Maria. Como procissão o trem que a leva, desaparece no horizonte, já não ouço o atrito entre os ferros, a fumaça no infinito onde os trilhos se juntam, evapora selando uma separação irremediável, sem volta. Dos sonhos que sonhamos, resta apenas, o rastro do amor e de uma paixão bloqueada.
Uma sombra mórbida surge na minha mente, talvez, essa seja a única expectativa do meu futuro. O tempo poderá apagar alguns momentos, mas não o brilho daqueles olhos, olhando os meus. Revirando as pastas de velhos projetos perdidos na memória, só vejo um possível desfecho, única solução: o divórcio natural com ausência de vida. Não conheço outro itinerário, e sem essa morte não terei vida.

Fica apenas a certeza absoluta, de que quando aquela vida cessar, voltarei à estação. O trem que se foi levando-a do meu mundo poderá trazê-la de volta, agora livre, essa mulher, que é o único motivo da minha felicidade e do meu viver. Estarei à espera, em ladainhas, refazendo os nossos sonhos de amor e de paixão, antes que a fome insaciável de possuí-la, me devore... Ave Maria.

1017 - 30-01-2006 Ventura Picasso

15.12.06

CENOTÁFIO

Houve uma explosão muito próxima a mim, o som não era de uma bomba ou de tiro de revolver. Um som diferente, não foi fora, mas dentro de mim. Estranho, não consigo identificar esse barulho, algo me diz que a explosão foi dentro da minha cabeça. Senti uma energia diferente, um calor rápido e um alívio proporcionado por um silêncio melodioso e uma doce leveza.

Afinal o que está acontecendo? Desembarquei no terminal rodoviário, vindo da periferia mais distante, no fundão do Parque Água Branca. Todo o sábado vou e aos domingos volto numa rotina agradável, como sempre. Tenho orgulho por dominar e ser amado por essa mulher. Amor verdadeiro ou falso? Suburbana, agrícola, mas inigualável.

Na intimidade das carnes, tudo o que ela conhece, e o que ela sabe de mim, provoca e enche o meu ego, me sinto o super-homem. Todos os dias que nos encontramos ela renova as juras de amores, sempre comprovando com atos concretos coisas que o meu intelecto nunca imagina. Não a esqueço um só momento, trago na alma o sonho doce dessa paixão aonde vou, dia e noite.

Relembrando ainda que ao subir a Rua Joaquim Nabuco extravasando confiança, andando firme e bem cadenciado, meus ombros bailavam num luxuoso salão cheio de convidados, mentalmente planejava o que poderia fazer com ela no chão do jardim, amá-la e entendê-la intensamente e dialogando na mesma língua revolucionando o nosso amor todos os sábados até o fim da vida. Ao ajustar os óculos, em minhas mãos senti o cheiro fresco de raiz exalado pelo corpo de Jupira. Fechei os olhos, viajei roçando o rosto no seu colo, lambendo o pescoço levemente arrepiado...

Explodiu!

Por um instante, o tempo de abrir e fechar os olhos eu vi um corpo caído no chão, muita gente em volta, alguém cobria o infeliz e eu, flutuando e assistindo, como numa tela de cinema mudo, num silêncio sepulcral, aquele fato. De um lado, uma caminhonete importada, de outro um defunto, atropelado. Chegaram ao local todas as polícias disponíveis; Após três horas uma ambulância recolhe o cadáver, o carro do IML não veio, está quebrado.

À distância, ao retirarem os jornais que cobriam a vítima, não a reconheci, mas era-me familiar. Aproximei-me daquele cenário mórbido, e observei a pasta com o caderno de anotações, lapiseira, a camiseta preta da sorte, a calça jeans e o sapato. O relógio arrebentado a identidade no chão, sem dúvida, são meus.

Nesta altura, tenho consciência de que sou um fantasma, agora invisível e com certeza, mais um bisbilhoteiro morto sem aviso prévio. Por instinto, não posso concordar, logo agora que a sorte me sorria. Levantei com pé esquerdo, e ainda encontrei um gato torto doidão correndo sem rumo. Sou de Escorpião e Saturno que foi rebaixado e caçado por astrofísicos intolerantes, acentuando a minha astrofobia. Com esse astral não poderia dar outra coisa. O corpo que os policiais estão resgatando é o meu, aqui neste canto sou eu, e aquilo caído no chão foi meu corpo, como amor e sexo, não misturemos. Na ambulância, embarquei na minha invisibilidade, cheio de vantagens, e fui!

Fomos todos para o IML é exigência legal a autopsia. Logo eu que nunca gostei de médico, agora nem reclamar posso. Saberei se o atendimento aqui é igual ao do pediatra da UBS, lá o ‘médico’ atende quinze crianças em quinze minutos, sem dúvida é um vagabundo. E eu aqui, peladinho com uma etiqueta preza ao dedão do pé direito onde está escrito que o individuo José Damasceno, que não é parente de ninguém, nº. 027/06 fora atropelado na Rui Barbosa às 15h.

O legista balbuciando inconformado: ”atropelado na Rui Barbosa... que retardado... deve ser um capiau que nunca veio à cidade”.
No laudo, a causa mortis anotada: “Traumatismo craniano radical”. O documento necroscópico chega às mãos do encarregado para fazer o atestado de óbito:

ATESTADO

? O Senhor José Damasceno, nº. 027/06, foi vítima de atropelamento por um veiculo de grande porte, cabine dupla importado, modelo anti-Lula que lhe causou entre tantas fraturas, um traumatismo exposto no frontal e acima do nariz, ou seja: deu de cara no rótulo da Toyota 4X4. O médico, Doutor José Antônio, ainda possesso por ter expulsado aos gritos um desavisado que reclamara a falta do camburão: “Quem mandou você votar nesse prefeito, seu animal?”. Assinando o documento, ruminava um pensamento: “Esse cara é muito burro, (atropelado na Rui Barbosa?), não agüento tanta ignorância, agora eu vou mesmo, vou mudar pra Bagdad”...

Lendo o laudo por sobre os ombros do doutor, entendi o meu barulho: foi a minha cabeça que explodiu. Agora o meu corpo aqui exposto, pelado e ridiculamente ignorado. Só faltava essa menina flertando, de olho no meu cadáver. Será que ela não tem o que fazer? Atrevida, é a reencarnação dos embalsamadores dos Faraós. Aqueles escravos faziam cada uma com a burguesada morta. A cara dela diz tudo, está mal intencionada, olha onde ela está passando a mão e encostando o rosto. Enquanto vivo essa vaca nunca me deu bola, agora quer sentir o meu cheirinho?

Ufa! Que calor... Ainda bem, apareceram os funcionários para levar o meu corpo. Cuidado meu, o chassi está todo arrebentado e vocês ficam pegando de qualquer jeito? Que é isso, devagar com isso aí, precisa jogar assim nessa caixa suja? Isso se parece mais com capacete de moto-taxista, qualquer um mete a cabeça. Tudo bem: Lá vamos nós. Essa maca está manca, e correndo feito um louco o caixão pode cair! Louco! Cuidado porra! Cuidado!

Falei, esses caras vão acabar com o que sobrou do meu corpo. Eu estava vendo que ia cair, mas esses incompetentes... Quero ver agora como é que eles vão por o corpo nesse caixote, e depois, joga-lo sobre essa maca ordinária. Olha lá, vai cair do outro lado, devia cair sobre o Baianinho Jaburu, é um relapso, esse filho da puta!

Esquisito,

Isso aqui parece instituto de beleza, com mesa de mármore, até que é bem limpo. E a minha roupa? Até quando vou ficar pelado? Aqui só tem mulher, conheço a Norinha é maquiadora. A Zabocão vem com balde, água, sabão e toalha; Agora é banho na certa, até que enfim. Maquiagem não, o que vão pensar lá no Sumaré?

O caixão é muito chique, know-how de última geração, cheio de adicionais, direção, ar, vidros e travas douradas. Quatro funcionários, sendo um bêbado, para encaixotar o gostosão na urna fúnebre. Flores, rendas e gravata; Mas... a cara? Essa cara não é minha! A testa remendada, cheia de base, pó de arroz, vai ser a maior decepção no velório, estou com cara de bicha! Quem é o dono dessa espelunca que não vê isso?

Rumamos ao velório com nota fiscal. Nem defunto pode ser transportado sem nota. O GG fica em cima, quer carimbar as cinco vias do produto, conferir o ICMS para liberar a transportadora. O motorista da Besta, temulento, alcoólicos ela e ele, pois os conheço muito bem. O coitado esteve internado em Tupã onde tomou na cabeça choques que lhe causaram grandes prejuízos, dizem que sarou, mas... Acelerou a Van e saímos finalmente, em direção ao velório. Com certeza, alguém pode estar à espera, quem sabe uma multidão, centenas de coroas, dezenas de jovenzinhas e eu com essa cara.

O camburão segue o caminho planejado desenvolvendo uma velocidade de quem perdeu a hora. Não sei para que tanta pressa se o meu corpo já morreu. Descendo a Baguaçu, Silvestre economiza, desengata e vamos de morro abaixo como enxurrada, ninguém segura. Surge em sentido contrário um caminhão tanque carregado de diesel com nafta, uma bomba com doze pneus carecas. O GG, da nota fiscal, vinha voando para interceptá-lo. Certo de dar um flagrante de combustível adulterado e prestes a alcançá-lo, a viatura do Picolé voava baixo.

Os veículos desembestados, a Besta e o tanque, cada qual de um lado da ponte, quando como mágica, aparece não se sabe de onde, uma cachorrinha vira-latas atravessando de uma calçada à outra. Havia previsão de chuva, uma tormenta com ventos fortes, e já ventava. O bom caminhoneiro para não atropelar o lindo animalzinho, desviou o caminhão para o centro da rua. Silvestre vacilante e sem reflexos, não teve escolha e foi colhido por aquele bólido desgovernado que acertou em cheio a viatura defuntosa. Os carros se enroscaram, os motoristas pularam; E vivos concordaram: Foi o vento! O GG chegando, ofegante, quer a nota: ? Que nota, meu? Respondeu-lhe Silvestre sentindo na testa um galo que cocoricava.

Explodiu,

Mas, não como minha cabeça, o caixão magicamente, Copperfield não faria melhor, como num circo foi serrado ao meio virou lenha fogueirosa e o meu defunto ficou mais estragado, torrado como pelego de porco, metido num aperto e esmagado que só sardinha. O teto do carro juntou-se ao assoalho. O fogo tomou conta, e com o sopro do vento as labaredas subiram, e bastaram alguns minutos para que tudo se transformasse em cinzas levadas e espalhadas por uma ventania furiosa soprando em direção ao Baguaçu. Essa morte me surpreendeu que brincadeira, foi uma peça. Sonhava morrer (luchando) num cabaret da Velha Havana (Patrimônio da Humanidade), numa noite louca cantando e bailando com minha índia Jupira, o hino soy loco por ti América: ”Mais apaixonado ainda dentro dos braços da camponesa, guerrilheira/Manequim, ai de mim, nos braços de quem me queira...”. Eu queria se possível, ser cremado após a morte e que alguém jogasse os meus restos mortais na Marina Hemingway, mas não foi possível, o vento se ocupou de encaminhá-las às águas do rio, enfim é o caminho do mar. Sou contra poluição, ao enterrar os mortos no cemitério contaminamos no subsolo o lençol freático, quanto a túmulos, é obrigar os que aqui ficam cuidar da tal ‘última morada’.

Mas, defunto mora?

Os bombeiros, após muito trabalho, puseram fim ao incêndio. O fogo acabou, apagou e agora não tem defunto nem velório. Um enterro sem defunto. Um túmulo sem morto, um cenotáfio? No cemitério, o povo olhoso, e entre estes, os ‘avisados’, o Pai-de-Santo, um Pastor e o Padre com seu breviário de página marcada pronto para me despachar: “Está na hora, portanto, do homem levantar a cabeça e se conscientizar, a morte clínica faz parte do processo integral da vida”. Ele queria dizer que basta estar vivo para passar para uma outra dimensão que é o ponto final.

O motorista acompanhado do chefe da agência funerária reuniu os piadistas e os chorões de plantão na capela do cemitério para explicar: “Não há defunto, o morto queimou, e as cinzas o vento entregou no Rio Baguaçu, mas nem tudo está perdido, sobra uma vaga no túmulo da família para uma outra eventualidade, e a nossa empresa não vai cobrar nada pelo serviço”. E eu estou feliz, primeiro por não ocupar a tal vaga que me foi oferecida naquele mausoléu de luxo e segundo, por não ter seis oportunistas em volta do meu caixão mortoso abalados pelo meu passamento, e por fim, as explosões que me tiraram do mundo, não foram dolorosas. Agora eu não sei aonde vou morar. Aguardem-me, em breve voltarei!

OUT/2006 – Ventura Picasso – 9017





BASE: Texto criado à partir da Oficina Sesc:
“Texto e Imagem: uma experiência criativa” (H. Consolaro & Paulo Brasil)

Reforçado pela ótica de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas

Vocabulário (neologismos) João Guimarães Rosa – Sagarana, Grande Sertão: Veredas, e de Mia Couto – Moçambicano – Estórias Abensonhadas

14.12.06

A Porta do Inferno

Bagdá, hoje é motivo de grande perturbação emocional. Muitos combatentes que estão prontos para a guerra têm um pressentimento de que as coisas poderão se complicar. O discurso do Bush, simplista, é o mesmo de Hitler. Ele tem dinheiro até para pagar adesões dos que vendem mão de obra assassina, a qualquer país, quem quiser. Tecnologia criada e dirigida por uma raça humana superior. É a maior máquina de guerra jamais vista no mundo. Destruir o Iraque inteiro para colocar um governo submisso ao americano é a coisa mais fácil no momento. O pobre Saddam Hussein, que nunca obedeceu à família Bush, agora tem que entrar na linha; já ofereceram algumas vantagens para que ele renuncie e seja exilado em outro país, tudo por conta do dono do mundo.

Hussein por sua vez, está preparando a população para que sirvam de escudos humanos assim, procura inibir o fogo do Bush, mas ele esquece que o Bush é amigo do Ariel Sharon que gosta de jogar bombas entre refugiados, e depois comemorar. De que adianta o tal escudo humano se o que o Bush quer é um Iraque deserto, sem povo. Pobre só dá despesa. O que foi feito no Afeganistão é o que ele imagina fazer no Iraque. Irak el-Arabi, país dos Árabes, que para enfrentar o exército anglo-americano tem como primeiro aliado a natureza. O frio, a chuva, o calor e o vento. Não foram os generais russos que derrotaram os alemães, foi a neve, a mesma neve que arrasou Napoleão, considerado imbatível. Bagdá é a porta do inferno !

A história se repete com outras palavras. Estaremos vendo o inicio da decadência do império norte americano ? Um governo que descobre o “eixo do mal”, só poder ser governado por “agentes do mal”. Pessoas estreitamente ligadas à indústria bélica, a produção e comercialização de petróleo, e esse é o ponto crucial dessa guerra, a apropriação do petróleo iraquiano. Bush já tem o governo montado para quando invadir e destruir o Iraque, com certeza, tem mapeado os campos petrolíferos que caberá a cada saqueador, e a parte maior caberá aos americanos.

E se o plano de guerra americano não funcionar como o esperado, se for uma guerra alongada por incidentes imprevisíveis, se houver perda dos vasos de guerra estacionados no Golfo Pérsico, se outros países árabes se juntarem ao Iraque, quem segura a falência econômica dos Estados Unidos ? Esperamos que a reunião que o Bush marcará para o primeiro semestre deste ano aqui no Brasil, não seja especificamente, para pedir soldados brasileiros, e envia-los ao combate contra o povo iraquiano. A nossa guerra é contra a fome.
Ventura Picasso

3.11.06

AGORA SÓ EM 2010...

Ventura Picasso

Especialistas em marketing de destruição, usando bombas que arrasam quarteirões, cobraram uma nota preta para destruir a dualidade política Lula-PT. Foi tanto fogo, para abrir caminho ao louva-deus, que a própria casa ruiu. Vitimizaram o mito e caíram em desgraça. Agora eles têm quatro anos a custo zero, para explicar o fracasso, estudar e resolver a questão consolando os tucanos-pefelistas. Inconformados que estão, derrotados, intimados, serão recebidos na Polícia Federal para esclarecer na justiça, tudo o que foi dito e escrito nesta triste campanha publicitária. Do horário gratuito de rádio e TV, dirão com certeza, como se dizia no tempo dos generais, ou na ‘província do FHC’:
“Qualquer semelhança a golpe é mera coincidência”.

No discurso contraditório, mentiroso, do choque de gestão, não conseguiram esconder os escândalos das privatizações, de dezenas de CPIs, da Febem, das rebeliões do PCC reivindicando direitos humanos, com todo direito. A TV Globo, tentou tudo, colaborou para que Lula não fosse eleito no primeiro turno. A mala e a foto do dinheiro, por sorte uma imagem mal explorada, mas mesmo assim comprou o segundo turno.

Nos debates da TV, Lula chegou a impor a pauta para discussão pública dos programas de cada um, mas o oponente, sem argumento e recursos, repetidamente fazia acusações levianas, sem provas conclusivas de corrupção. Os programas não foram divulgados. Porém, após o resultado final das eleições, Lula simplesmente vai para a rua e provoca a oposição e a mídia servilista, saindo na frente propondo a agilização de temas de interesse do país que estão no Congresso como: Fundo Nacional de Educação Básica; Lei da Micro e Pequena Empresa; Reforma tributária.

Na Avenida Paulista, em discurso comemorando a vitória, algo estranho aconteceu: O Presidente Lula não pediu o sacrifício dos trabalhadores para ajudá-lo a governar, e garantiu que cada um vai ter o seu bife na hora das refeições. E mais, cobrando do Congresso o voto da Reforma Política, e como quem quisesse dizer: “economistas globais me aguardem”, apresentou alguns projetos já em curso para o desenvolvimento de várias regiões: Pólo Petroquímico do Rio de Janeiro, Refinaria de Pernambuco, Pólo Siderúrgico do Ceará, Ferrovia Transnordestina, Hidroelétrica do Rio Madeira, BR 101 Sul e Nordeste, BR 163 e mais de quatro mil quilômetros de gasoduto interligando os principais pontos industriais do Brasil, como vemos, não é pouco e ele está aberto para chuvas e trovoadas, críticas e pressões da Globo ou das oposições.

O fogo amigo, as denúncias diárias partindo de fascistas a comunistas, não demoveu da população o alvo na máquina de voto, eles miravam no 13. Foram cinqüenta e oito milhões e deixaram um recado no palanque: “Agora só em 2010... antes é golpe”, e o povo sabe muito bem que a maioria dos eleitores que são pobres, não precisa acreditar na palavra, mas nas ações da presidência: na mesa, no prato e no bolso. Essa verdade é radical, por isso eles acreditam no Presidente reeleito, mesmo porque, “as coisas boas”, os jornais não divulgam. Por isso no dia da festa da vitória na Paulista, num forte apelo emocional, carregado de certa dose de inconformismo, uma faixa parodiava o slogan da campanha dizendo: ”Lula de novo, para a tristeza da Globo”.

O2112006

22.10.06

ASSÉDIO MORAL NO ÂMBITO DA EMPRESA

Resenha :Ventura Picasso

O poder de algumas pessoas sobre outras cria situações inusitadas; o comentário comum e simplista lembra um velho chavão: "Não é fácil lidar com o público". O comando de um grupo de trabalhadores, quando sob o olhar doentio de uma personalidade prepotente, egoísta e fascista, sem dúvida, a violência psíquica estará presente. Muitos operários não distinguem o desvio de caráter autoritário e não identificam essas agressões. Consideram entre outras coisas que o "chefe" tem responsabilidades; que chefe é chefe; que ele é mal educado, mas é uma boa pessoa; que não faz por mal, faz por bem. Não só essa visão conformista, mas a falta de conhecimento dos próprios direitos destrói a iniciativa de uns poucos cidadãos mais experientes, e com melhor visão política de não questionarem por que, como os menos favorecidos, são dependentes do emprego e escravos do medo da demissão de uma hora para outra, e claro, por falta da estabilidade como garantia mínima do emprego. Regina C. P. Rufino pesquisou entre as "estratégias do agressor", as condutas mais comuns, que se caracterizam como assédio moral: _ Impedir de se expressar e não explicar o motivo. _ Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares. _ Culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar. _ Desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho. _ Destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças pré-existentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e dos amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principalmente o álcool. _ Livrar-se da vítima, que é forçada a pedir demissão, ou é demitida, freqüentemente, por insubordinação. _ Impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade. Continuando, a escritora retrata: "A importância da aplicação do princípio da proporcionalidade, para que não seja considerado assédio, qualquer descontrole comportamental do ofensor, pois os humanos são passíveis de erros e descontroles, extrapolando, mesmo que minimamente, seu direito e invadindo o de outrem. Todavia, somente as condutas efetivamente vexatórias e graves, se configurarão como assédio". Poder ficar nervoso no ambiente de trabalho é um luxo para poucos, vejamos esta relação: chefes perversos, gerentes arrogantes, terroristas, perseguidores, prazos impossíveis de cumprir, rebaixamento hierárquico, individualistas, desprezo, sonegação de informações, provocação, calúnias. O cidadão, ao viver uma destas situações, sofre assédio moral. Demonstrando grande experiência sobre o comportamento humano no mundo do trabalho, Regina C. P. Rufino, com sua sensibilidade aguçada, conclui: "Percebe-se, pois, que apesar do assédio moral não ter uma previsão específica na legislação, capaz de impor punição ao ofensor, quando praticado no ambiente de trabalho viola bens jurídicos fundamentais, protegido por nosso ordenamento, em diversas áreas. Todavia, freqüentemente é tolerado pelos que assistem, mormente pela própria vítima, em vista da perda do referencial dos respectivos limites, ou, até, pelo receio do desemprego, onde o assediado prefere banalizar seu sofrimento para preservar a continuidade do emprego, a fim de manter sua fonte de renda, de onde tira meios para sua subsistência". Vai além, na vida escolar: "Desde o tempo de nossos antepassados, sempre se ouviu histórias de professores, que se utilizava de práticas vexatórias e humilhantes, ao tratar um estudante menos privilegiado, seja de forma econômica, como de forma intelectual". O momento em Araçatuba é oportuno para a leitura dessa obra, por que no dia 7 pp, o sexto ítem da pauta na 22.ª seção ordinária da Câmara Municipal, o vereador Marcelo Andorfato apresentou em primeira discussão e votação do projeto de lei n.º 066/2006: "Veda a prática de assédio moral no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e indireta". No caso do serviço público, onde os concursados têm estabilidade garantida em lei, mas diante desse projeto vemos que o servidor fica exposto a procedimentos que violam a sua dignidade, e é sujeito, muitas vezes, a trabalhos humilhantes ou degradantes, e até sacados das suas especialidades, passando a ser um serviçal, notoriamente, inútil e disponível. Regina Célia Pezzuto Rufino é advogada militante, mestre em Relações Sociais, professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário com grande experiência e um extenso currículo nessa nobre área das Leis. "Assédio Moral no Âmbito da Empresa", lançado em Florianópolis na sede da OAB/SC, da LTR Editora, é indispensável aos advogados trabalhistas, e pode ser adquirido no site www.ltr.com.br. FICHA TÉCNICA Título: Assédio Moral no Âmbito da Empresa Autora: Regina Célia Pezzuto Rufino LTR Editora 110 páginas.

10.10.06

TEXTO BÁSICO

Ventura Picasso

Nós que gostamos de escrever estamos o tempo todo atentos para ouvir. Quando alguém, falando a nossa língua, expõe uma opinião que nos toca, é o bastante para nascer uma crônica. Foi o que aconteceu quando saia do mercado e dei de cara com este diálogo entre ‘comadres’, referindo-se ao eleitor do Lula:
- O povo gosta de sofrer!
Na outra calçada, a empregada doméstica de vassoura na mão, eleitora do Lula respondeu à vizinha:
- Pensei que ele fosse perder no primeiro turno coitado, mas mesmo assim ainda foi o mais votado...

Aí está os dois lados da mesma moeda, e eu caminhava e pensava pela rua como num sonho nos cronistas dos maiores veículos de comunicações, que poderiam, sem tomar partido e isentos de paixões, informarem a população, mesmo porque, é para isso que existe a imprensa livre. Liberdade educativa e não de proteção de interesses grupais, seja de qualquer lado político existente, ou da elite econômica.

A deslealdade pública entre as maiores mídias de televisão, chega ao cúmulo de não comentar, ao menos, o ponto mínimo e máximo do debate entre os candidatos ocorrido nas telas do concorrente. Fica provado que há concorrência entre essas empresas, e não compromisso responsável com a nação. Os temas sociais, de interesse verdadeiramente moral (miséria) diante da comunidade nacional e internacional, não é citado pelos papas do jornalismo.

Refletindo melhor sobre as subordinações que recai a cada jornalista como cidadão comum, como ser humano, as dependências de sobrevivência e de manutenção do emprego, onde até por isso, se submetem à vontade de empresários que necessitam do poder político do governo para existir industrial e comercialmente. A maior prova é a descoberta dos sonegadores, na Operação Grandes Lagos, feita pela polícia, localizando a verdadeira Praga da Pecuária, que não só lesava o governo, mas promovia a concorrência desleal entre os empresários da área, revela a gana do poder para manter ilegalmente, 159 empresas do mesmo ramo, por mais de 15 anos. Estes cronistas não aprofundam o tema, escrevem o que é permitido, e exercem a democracia do possível, são prisioneiros do sistema.

Há os que fazem silêncio voluntário, e os que querem informar o leitor e não tem espaço. As limitações de todos os escritores são parecidas, se de um lado fazem o que é permitido do outro também. Quem permite são os donos do dinheiro, das leis, da justiça e do estado. Os cronistas isentos, que não tem onde mandar as suas mensagens e tendo o texto básico do possível obstruído, não podem formar uma platéia mais esclarecida e solidária, é isso o que acontece. Na verdade, os que não tem onde escrever morre de inveja daqueles que podem ‘formar opiniões’, que recebem altos salários servindo a grande mídia, mas mesmo assim e com esse aparato, não conseguem mudar a opinião daquela empregada doméstica na calçada de vassoura na mão.

Passada as eleições e como todos os anos, o povo leva a culpa: ”Eles não sabem votar”! Uma grande quantidade de eleitores de todas as camadas sociais, vão às urnas com as informações produzidas por esse tipo de imprensa, que em muitas vezes, transformam mentiras em verdades provisórias, no interior de laboratórios publicitários que trabalham sob encomenda, e estes sim, se dizem ‘competentes e bons profissionais’, mas vendem a alma e a nação ao demônio, em troca da sobrevivência econômica. O suborno é fruto desse trabalho, que eles chamam de honorários ou salários ‘dignos e honrados’, honra que tem preço, que tem lado e preconceitos. E depois a ladainha: ”O povo gosta de sofrer”.

6.10.06

LULA

Ventura Picasso

"Pessoa superior, a única no seu gênero: a fênix dos oradores". Arrasta multidões ao maior acontecimento político do século 20; apenas um partido político, legalizado, igual aos outros, que se propôs a desenvolver uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna. Era difícil acreditar num partido de trabalhadores e sindicalistas, que pudesse transformar a sociedade pelo voto conquistado de eleitores céticos, alcançando a presidência da república, pasmem, é hoje um partido de massas, pior, ideológico.

Diria Brecht: " - Mas quem é o partido? / Quem é ele? / - Somos nós... / Mostre-nos o caminho que devemos seguir, e nós / o seguiremos como você, mas / não siga sem nós o caminho correto /. Ele é sem nós / O mais errado / Não se afaste de nós! / Podemos errar, e você pode ser a razão, portanto / Não se afaste de nós".

Que força estranha é essa que se propaga pelo mundo, e a nossa América totalmente influenciada por esse orador, mostrando um novo caminho, convencendo e garantindo um futuro melhor às nações que acreditam em sua fala. Por isso surgiu Hugo Chaves, Evo Morales, Michele Bachelet e Tabaré Vasques. Em 2006, candidatos com orientação à esquerda, disputarão eleições presidenciais em El Salvador, Peru, Colômbia, México, Equador e Nicarágua. Não podemos perder as posições que o eleitorado brasileiro conseguiu, e hoje é maior a nossa responsabilidade, o século 21 é latino-americano.

Em 2005, aos gritos, o fascismo racista pregava o impeachment do chefe da nação, e a cassação do registro do partido (nós). Parlamentares e militantes intimidados e vacilantes, desprovidos de ideologia, os que não amam nada, aproveitaram o momento e sorrateiramente, abandonaram o partido quando ele mais precisava de todos. Traíram (?), não; são assim mesmo, pessoas comuns que querem um cargo, um emprego e se erraram ingressando num ambiente desconhecido, ideológico, cometeram dois equívocos: a) ao entrarem; b) ao ronco do trovão, afinaram, fugiram e se afastaram de "nós".

Agora, a "fênix dos oradores" reconquistou a posição maior nas pesquisas, passou longe do segundo. Desrespeitado por uma oposição desesperada, que bateu durante os últimos seis meses, mas não "matou" o partido e seu criador. Desorientados, pensando e fazendo pensar que o partido é igual aos outros, o que não é verdade, tudo que fazem, facilita a ressurreição do PT e a reeleição do ídolo de Bono Vox (U2). Resta-nos voltar ao tempo e relembrar Henfil com sua graúna falante, e se fosse hoje, ao ver uma "esperança" gritaria:

- O Lula é o cara, meu!

Folha da Região (28-02-2006)

1.10.06

FULANIZANDO O VOTO

Ventura Picasso

Os partidos políticos existem em função do povo, e supomos que se organizam para serem simples servidores da nação. No Brasil, o sistema eleitoral é proposto para se votar nos partidos, o voto de legenda é o maior referencial. No entanto, a sociedade organizada, os meios de comunicações e o estado não defendem esses valores, por isso o candidato, em muitos casos, não conhece o próprio partido, e o eleitor, por sua vez, que é a voz de Deus, acaba fulanizando o voto. Devemos ressaltar que isso acontece em todas as classes sociais.

Alguns doutores e seus diaristas terceirizados, afirmam sem rubor, que votam num candidato, mas detestam o seu partido. Na outra ponta, há o deputado que se julga maior que o partido. Vaidoso e egocêntrico. E é por isso, que aparecem os elegíveis meio homem, meio bicho. Que compromisso político podem ter essas pessoas que modificam a própria imagem? Era uma coisa, mas na propaganda é outra. E esses tipos recebem votos, e o eleitor mal informado não se dá conta, que se eleito, o ‘animal’ deve obrigações onde se filiou. É prisioneiro de compromissos secretos, de desejos inconfessáveis e esquece os eleitores por pelo menos, quatro anos.

Na Justiça Eleitoral se discute a formação de listas para posicionar os deputados segundo os interesses dos partidos. No mundo inteiro, onde há eleições democráticas já se usa esse sistema. Seria ridículo que um partido político acrescentasse entre os primeiros nomes o de um homem-bicho, um ser disfarçado, um palhaço que espera a compreensão do mundo que o cerca, provocando o voto impessoal, através de uma propaganda enganosa.

Não quer dizer que não possa haver nenhuma individualização, quando houver, que seja equilibrada, que o coletivo seja o lado mais importante. O caráter mágico ou carismático é um dom que acompanha certas pessoas, nem sempre o mais votado é o rico da competição. O bom de voto, que conhece o código de comunicação com a maioria, é o personagem que pode representar verdadeiramente os eleitores, que acreditam na palavra e na base histórica do parceiro político.

Por fim, uma comparação, até certo ponto embaçada sobre o poder e o povo. Algumas pessoas dizem que acreditam em Deus. No Brasil, o cristianismo é a religião que predomina. É comum encontrarmos, nesse meio, aqueles que não aceitam a igreja. Sem compromisso ou disciplina, não respeitam os dogmas e as tradições religiosas, e fulanizam Deus. As religiões são os caminhos que levam para Deus, não há coerência de raciocínio de quem fica a favor de Cristo e contra a sua igreja.

Ventura Picasso –

VOTO NULO

Ventura Picasso

Eu pergunto: porque o mesmo bloco político que abasteceu a legitimou o poder nos últimos 60 anos, procura ferir o coração de um país que caminha para um futuro próspero? Porque ignoram os avanços sociais, e querem a destruição, a impugnação ou o impeachment de um governo, que é visto por eles, como se fosse de um homem só em benefício próprio? O esforço para transformar mentiras em verdades, vai da ambígua interpretação das pesquisas ao voto nulo, ao gol anulado, ao juiz ladrão e quiçá os canhões, um “pesadelo”. Respondendo, o mito recita a letra de Paulo Tapajós: “Olha o muro, / olha a ponte / olhe o dia de ontem chegando / Que medo você tem de nós / olha aí, olha aí... / Você corta um verso, eu escrevo outro (...).

Tanto quanto Felix Guattari, sou homem de grupo, de bandos ou de tribos e, no entanto, um homem sozinho, como um Título de Eleitor. Um documento que me pertence, mas não é meu. A única coisa que tenho é minha vida, cheguei a estipular um limite como Paul Lafargue, mas não planejei o suicídio para extingui-la. Se vivesse no começo da civilização, no gênese como Adão, ou fosse um ancestral do homo erectus, seria um anarquista, e com certeza lutaria pela igualdade de todos, e pelo direito de escolher o futuro através do voto. Fosse eu, um cidadão de Tours, ao sul de Paris, entre o século XV e XVIII, residisse no castelo de Chenoneau entre os quartos de Diana de Poitiers e de Catarina de Médicis, sem duvida, seria um anarquista. Apoiaria um morador monarquista radical, moralista e profeta da burguesia que previu a Revolução Francesa (julho-1789), não abandonou o luxo palaciano, mas viveu e desfrutou da liberdade que a revolução pregava: O genial Balzac escreveu ‘A Comedia humana’ em 17 volumes, considerada por Marx como uma obra que ultrapassou a literatura, e é base da moderna sociologia.

Aceitar os argumentos de um discurso feito por desconhecido, é uma imprudência carregada de ingenuidade. A política e a religião requerem crédito e tradição. Todos os discursos são abstratos, falamos a esmo, para conhecidos ou não. A mentira tem presença cativa na comunicação de homens vaidosos. Ouvi dizer que os políticos são humanos, coitados. A polícia federal existe para cuidar de quem nos engana como faz atualmente, e que nunca havia feito.

Voto contra ou a favor, mas sempre em defesa dos interesses sociais e coletivos. O meu voto não é moral, é revolucionário. Anular o voto é como o suicídio por questões mal resolvidas, emocionais e egoístas. Pensar que assim, nessa fuga, se resolvem problemas, mas acaba deixando para quem aqui fica uma pendência pessoal viva. Anular o voto é morrer sem lutar, é uma morte banal, um desperdício.
O direito de um cidadão termina onde começam os direitos do outro. Velho chavão, mas abre uma indagação possível: Se o voto é uma ferramenta de ação coletiva, como pode ser democrática a anulação do voto? Que direito democrático tem o eleitor que, ao se abster, entrega nossas tecnologias, nossas empresas estatais, nossos bancos de fomento, rodovias e ferrovias ao capital internacional globalizado (a Petrobras ao Bush por exp.)?

Paul Lafargue nasceu em Cuba em 1842, aos dez anos de idade mudou-se para Paris. Liderou os movimentos operários do século XIX, gravitando entre socialistas e anarquistas. O panfleto, ‘O direito à preguiça’ (1880) que apresentava o signo “dos três oito”: 8 heures de travail; 8 heures de loisir; 8 heures de sommeil, após muita luta foi aceito pela elite, e logo após, a semana inglesa é praticada. Hoje, porem, 2006 a poucos dias das eleições, a mídia, antigo quarto poder, agora associada ao capital, garante o capitalismo das horas extras. O voto nulo é a favor desse sistema, a favor das privatizações, da corrupção, da Febem e de ‘uma penitenciária para todos’. O Titulo de eleitor é meu e o meu voto é da minha nação, voto no “menos pior”.

Ventura Picasso –