7.1.10

Bóris não cometeu gafe

Paulo Pereira da Costa
ESPECIAL


No "Jornal da Band" de 31 de dezembro passado, foram mostrados dois garis dizendo, sorridentes, "Feliz Ano-Novo, muita paz, muita saúde, muito trabalho. Feliz 2010".

Em seguida, antes da entrada dos comerciais, foi possível ouvir o apresentador Boris Casoy, rindo com deboche, afirmar: "Que merda, dois lixeiros desejando felicidades... do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho".

Ele falou para o pessoal no estúdio, sem saber que o som estava no ar. O vídeo caiu na internet e, claro, causou indignação geral. Diante da repercussão negativa, o apresentador, na edição do dia seguinte, declarou solene: "Ontem, durante o intervalo do Jornal da Band, em um vazamento de áudio, eu disse uma frase infeliz, que ofendeu os garis. Por isso, quero pedir profundas desculpas aos garis e aos telespectadores".

Bóris errou feio; não foi simplesmente uma frase infeliz. O pedido de desculpas não valeu, é capenga diante do erro. Para não me precipitar, antes de escrever este texto, assisti ao Jornal da Band de 4 de janeiro (segunda-feira), pois acreditava que o jornalista faria um pedido de desculpas de verdade, que revelasse o real reconhecimento do erro, do quão insensato havia sido e de que estava muito arrependido e envergonhado.

Afinal, teve tempo à beça no fim de semana para refletir. Pois bem, o jornal começou e... nada. Pensei que o ato de penitenciar-se viria no final, e era até mais lógico que assim fosse. Mas não veio. Observei, aliás, que o Bóris não disse, nenhuma vez, naquela edição, o seu
"isso é uma vergonha".

A imprensa considerou o ocorrido uma gafe. Só posso pensar que foi para proteger o Boris Casoy, um dos ícones do jornalismo. Bóris não cometeu gafe. Dizer o contrário é reduzir o fato a uma coisa ínfima, insignificante. Gafe, rata, mancada é uma falta menor, sem gravidade, um pecadilho, uma indelicadeza.

É um ato, no mais das vezes, involuntário, irrefletido, imprudente, quando se é traído pelo inconsciente, pela memória, pelo impulso.

Foi o que fez o Luciano do Valle, narrando um jogo de futebol, ao dizer Globo quando queria dizer Band. É errar ou não lembrar o nome da pessoa que nos cumprimenta
(acontece muito comigo), é soltar um palavrão em hora e local impróprios, coisas assim. Basta um "foi mal", uma “falha minha", no máximo um mea-culpa, e tudo entra nos eixos novamente.

Dei uma grande rata em 1985 quando compareci à prova oral do exame da OAB sem paletó e gravata, não porque não tinha, mas porque esqueci. Fui o único. Os examinadores, porém, não deram tanta importância assim, pois me aprovaram.
O Bóris não cometeu gafe. Foi muito além. Chegou ao cúmulo do escárnio, do desdém, do desrespeito. Deixa a entender que lixeiros e outros trabalhadores não podem passar mensagem de fim de ano, que precisam subir mais na escala profissionais para adquirir esse direito.
E solta essa "pérola" num dia em que as pessoas tentam resgatar o espírito de comunhão, de aproximação, de votos recíprocos de um ano bom!

O pedido de desculpas só veio porque o ato irracional vazou para o Brasil, para fora do ambiente em que ocorreu. Defendendo o Bóris, a colunista da rádio BandNews, Bárbara Gancia, escreveu em seu blog: "O microfone estava aberto quando não deveria estar. O apresentador do Jornal da Band disse o que disse sobre os garis para a sua equipe, não para o público nem em público...". Vem-me à mente a música "Cala a boca, Bárbara", de Chico Buarque. Pouco importa se Bóris falou para a equipe ou para o Brasil. O problema não é o vazamento do que foi dito.
O problema é o que foi dito.

Mesmo que só ele, Boris, tivesse ouvido, seria o caso de retratar-se. Vai dizer que nunca ocorreu a você, leitor, balançar a cabeça como que para tirar de dentro dela uma idéia boba, um mau pensamento?

Isso acontece quando se fica com vergonha não dos outros, mas de si mesmo. Se a sandice não vazasse, o Bóris teria de pedir desculpas ao pessoal do estúdio. Trabalham lá pessoas cujos salários não são nada perto do dele.

Não sei se o Bóris está envergonhado. Deveria estar. Sentir vergonha ao errar é próprio de almas nobres. Mas é preciso revelar ao invés de esconder. É preciso não ter vergonha de ter vergonha. Só que é comum não ter vergonha de dizer a ofensa, mas ter vergonha de desdizer. O erro do apresentador não foi daqueles que não se podem consertar. Porém, se foi radical no fazer, é preciso também o ser para desfazer. O Bóris tem boa formação, começou a trabalhar cedo e no fundo deve reconhecer o valor das pessoas que labutam honestamente, seja qual for o ofício ou a profissão.

Bem, os lixeiros desejaram feliz 2010 a todos. Eu aceito, agradeço de coração e retribuo.

Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro "Pensando na Vida", escreve como colaborador da Folha da Região de Araçatuba (SP). Caderno Vida: Araçatuba SP, 7 de janeiro de 2010

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