Carta Maior,
15/07/2014 - Robert Fisk / The Independent - http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-historia-de-Gaza-que-os-israelenses-nao-contam/6/31382
Pois bem, na tarde da última sexta-feira o saldo de mortos estava 110 a 0 a favor de Israel. Mas passemos para a história de Gaza que, a esta altura, ninguém vai contar. Trata-se da terra. Os israelenses de Sderot estão recebendo tiros de rojões dos palestinos de Gaza, e agora os palestinos estão sendo bombardeados com bombas de fósforo e bombas de fragmentação pelos israelenses. É. Mas e como e por que, para início de conversa, há, atualmente, um milhão e meio de palestinos apertados naquela estreita Faixa de Gaza?
As famílias
deles, sim, viveram ali, não eles, no que hoje há quem chame de Israel. E foram
expulsas – e tiveram de fugir para não serem todos mortos – quando foi criado o
Estado de Israel.
E – aqui, talvez, melhor respirar fundo
antes de ler – o povo que vivia em
Sderot, no início de 1948, não era israelense, mas árabe palestino. A
vila palestina chamava-se Huj. Nunca
foram inimigos de Israel. Dois anos antes de 1948, os árabes de Huj até
deram abrigo e esconderam ali terroristas
judeus do Haganah, perseguidos pelo exército britânico. Mas, quando o exército israelense voltou a Huj,
em 31 de maio de 1948, expulsaram todos os árabes das vilas... para a Faixa de
Gaza! Tornaram-se refugiados. David Ben Gurion (primeiro premiê de Israel)
chamou a expulsão de “ação injusta e injustificada”. Pior, impossível.
Os palestinos de Huj, hoje Sderot, nunca mais puderam voltar à terra deles.
E hoje, bem mais de 6 mil
descendentes dos palestinos de Huj – atual Sderot – vivem na miséria de Gaza,
entre os “terroristas” que Israel mente que estaria caçando, e os quais
continuam a atirar contra o que foi Huj.
A história do direito de
autodefesa de Israel é a história de sempre. Hoje, foi repetida e a ouvimos
mais uma vez. E se a população de Londres estivesse sendo atacada como o povo
de Israel? Não responderia? Ora, sim. Mas não há mais de um milhão de
ex-moradores de Londres expulsos de suas casas e metidos em campos de
refugiados, logo ali, numas poucas milhas quadradas cercadas, perto de
Hastings!
A última vez em que
se usou esse falso argumento foi em 2008, quando Israel invadiu Gaza e
assassinou pelo menos 1.100 palestinos (1.100 mortos palestinos, 13 mortos
israelenses).
E se Dublin fosse atacada por foguetes – perguntou então o embaixador
israelense? Mas, nos anos 1970, a
cidade britânica de Crossmaglen, no norte da Irlanda, estava sendo atacada por
foguetes da República da Irlanda – e nem por isso a Real Força Aérea britânica
começou a bombardear Dublin em retaliação, matando mulheres e crianças
irlandesas.
No Canadá em 2008, apoiadores
de Israel repetiram esse argumento
fraudulento: e se o povo de Vancouver ou Toronto ou Montreal fosse
atacado com foguetes lançados dos subúrbios de suas próprias cidades? Como se
sentiriam? Não. Os canadenses nunca
expulsaram para campos de refugiados os habitantes originais dos bairros onde
hoje vivem.
Passemos então para a
Cisjordânia. Primeiro Benjamin Netanyahu disse que não negociaria com o
‘presidente’ palestino Mahmoud Abbas, porque Abbas não representava também o
Hamas. Depois, quando Abbas formou um governo de unidade, Netanyahu disse que
não negociaria com Abbas, porque ‘unificara’ seu governo com o “terrorista”
Hamas. Agora, está dizendo que só falará com Abbas se romper com o Hamas –
quando, então, rompido, Abbas não representará o Hamas...
Enquanto isto, o grande
filósofo da esquerda israelense, Uri Avnery – 90 anos e, felizmente, cheio de
energia – ataca a mais recente obsessão de seu país: a ameaça de que o ISIS se
mova para oeste, lá do seu ‘califato’ iraquiano-sírio, e aporte à margem leste
do rio Jordão.
“E Netanyahu disse”, segundo
Avnery, que “se não forem detidos por uma guarnição permanente de Israel no
local (no rio Jordão), logo mostrarão a cara nos portões de Tel Aviv”. A
verdade, claro, é que a força aérea de Israel esmagaria qualquer ‘ISIS’, no
momento em que começasse a cruzar a fronteira da Jordânia, vindo do Iraque ou
da Síria.
A importância da “guarnição
permanente”, contudo, é que se Israel mantém seu exército na Jordânia (para
proteger Israel contra o ISIS), um futuro estado “palestino” não terá
fronteiras e ficará como enclave dentro de Israel, cercado por território
israelense por todos os lados. “Em tudo
semelhante aos bantustões sul-africanos” – diz Avnery.
Em outras palavras: nenhum
estado “viável” da Palestina jamais existirá. Afinal, o ISIS não é a mesma
coisa que o Hamas? É claro que não é.
Mas Mark Regev, porta-voz de
Netanyahu, diz que é! Regev disse à Al Jazeera que o Hamas seria uma
“organização terrorista extremista não muito diferente do ISIS no Iraque, do
Hezbollah no Líbano, do Boko Haram…” Sandices. O Hezbollah é exército xiita que
está lutando dentro da Síria contra os terroristas do ISIS. E Boko Haram – a
milhares de quilômetros de Israel – não ameaça Tel Aviv.
Vocês entenderam o ‘espírito’
da fala de Regev. Os palestinos de Gaza – e esqueçam as 6 mil famílias
palestinas cujas famílias foram expulsas pelos sionistas das terras onde hoje
está Sderot – são aliados das dezenas de milhares de islamitas que ameaçam Maliki
de Bagdá, Assad de Damasco ou o presidente Goodluck Jonathan em Abuja.
Sim, mas... Se o ISIS está a
caminho para tomar a Cisjordânia, por que o governo sionista de Israel continua
a construir colônias ali?! Colônias ilegais, em terra árabe, para civis
israelenses... na trilha do ISIS?! Como assim?!
Nada do que se vê
hoje na Palestina tem a ver com o assassinato de três israelenses na
Cisjordânia ocupada, nem com o assassinato de um palestino na Jerusalém Leste
ocupada. Tampouco tem algo a ver com a prisão de militantes e políticos do
Hamas na Cisjordânia. E nem o que se vê hoje na Palestina tem algo a ver com
foguetes. Tudo, ali, sempre, é disputa por terra dos árabes.
Robert Fisk é jornalista e escritor britânico premiado diversas
vezes com textos sobre o Oriente Médio. É um dos poucos repórteres ocidentais
que fala árabe fluentemente.
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