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sab, 30/08/2014 - 21:22 - Atualizado em 30/08/2014
- 21:42 - http://jornalggn.com.br/noticia/como-marina-tenta-montar-o-reverso-de-lula
Antes de entrar no tema, um pedido de desculpas. No artigo “O mito do cavaleiro solitário” atribuí a Marina Silva a condenação das pesquisas com células tronco e o criacionismo. Conferindo matérias da época, fica claro que em nenhum momento Marina colocou suas convicções acima da liberdade de pesquisa da ciência.
O episódio Malafaia é elucidativo para entender dois pontos apontados aqui no Blog, sobre o programa e a candidatura de Marina Silva.
O primeiro, a qualidade do programa original da Rede Sustentabilidade.
Quem acompanha a série que escrevo sobre o Brasil 2015 poderá conferir
que a maioria absoluta dos conceitos defendidos – e das críticas que faço à
condução das políticas públicas - foi contemplada no Programa da
Sustentabilidade.
O segundo, a incapacidade de Marina Silva de minimamente administrar
conflitos. E, de certo modo, a falta de fôlego da própria Rede para enfrentar o
velho.
Dois episódios demonstram isso.
1. O caso do aprofundamento da democracia participativa, uma das grandes
bandeiras atuais. Bastou uma manchete preconceituosa do Estadão para a Rede
soltar uma nota informando que os conceitos criticados pelo jornal constavam de
um trabalho ainda não aprovado pelos coordenadores do programa. O programa é
divulgado e os conceitos continuam lá.
2. O caso LGBT, ou com essa fantástica frente modernizadora, esse centro
do mais avançado pensamento das ONGs paulistas, os centuriões da modernização
foram botados para correr pelo pastor Silas Malafaia.
Reverso de Lula
Não apenas isso.
No fundo, o programa da Rede Sustentabilidade é uma tentativa de
reengenharia no modelo lulista.
Lula compôs com o mercado financeiro para viabilizar suas políticas
sociais; o programa de Marina pretende compor com os movimentos sociais para
viabilizar sua política econômico-financeira.
No período Lula-Dilma, com todas as concessões, o ponto central foram as
políticas sociais; no programa da Rede, pelo contrário, é o mercado financeiro
(explico logo adiante).
Há agravantes nessa estratégia.
Os tempos são outros, não há crescimento nem espaço fiscal para atender
a todas as demandas. O próximo governante terá que administrar a escassez. E aí
o programa da Rede não passa no teste de consistência:
1. Os novos tempos exigem o aprofundamento da democracia social e do
Estado de bem estar. Aumenta o custo dos salários e exige um novo desenho
econômico para preservar a capacidade da economia em gerar empregos de melhor
valor.
2. O novo modelo só se sustenta com um salto na qualidade do emprego e
das empresas. Exige uma nova política industrial, casada com planos de
inovação, educação, visando garantir a oferta de empregos de maior valor
agregado.
3. Definidos os dois passos anteriores, a macroeconomia precisa ser
adaptada aos novos tempos. Ou seja, ela é a derivada. No programa da
Sustentabilidade, juros e parte fiscal é o fator dominante.
Para mostrar melhor as incongruências, compararei o programa da Rede com
o que está sendo elaborado por um conjunto de especialistas - macroeconomistas,
economistas sociais, urbanistas etc - ligados ao chamado novo pensamento
desenvolvimentista.
Primeiro movimento: a democracia social
Nos dois casos, há grande semelhança das ideias levantadas - pelo fato
de que estão rodando por aí, na cabeça de especialistas, da academia, das ONGs.
Grosso modo, podem ser divididos nos seguintes subtemas:
1. Temas ligados à qualidade de vida.
2. Temas ligados ao federalismo.
3. Temas ligados ao aprofundamento da democracia social.
4. Micro reformas desburocratizantes.
Quase todas as ideias significam melhorias incrementais em relação à
dinâmica das políticas sociais já existentes.
É o que explica o belíssimo capítulo do programa da Rede sobre a
inclusão de crianças com deficiência na rede escolar, belíssimo nos conceitos
mas ignorando uma realidade concreta, uma das mais bem sucedidas políticas
públicas do país: 800 mil crianças com deficiência sendo atendidas na rede
escolar, com transporte, salas especiais, planos de trabalho individualizados.
Ou a proposta de ensino em período integral ignorando que já existem 4 milhões
de crianças nessas condições.
Todo esse trabalho foi possível porque tanto o governo Lula como Dilma
garantiu espaço no orçamento público. É aí que se dão os grandes embates
políticos, com corporações, mercados e grupos sociais querendo, cada qual, seu
pedaço do bolo.
Segundo movimento: a reestruturação econômica
Nesse capítulo, a lógica mercadista se apresenta em toda sua
exuberância.
O trabalho dos desenvolvimentistas procura identificar novos setores dinâmicos
e defender políticas de fortalecimento com uso de política de compras, conteúdo
nacional, investimento em inovação, educação, financiamento etc. E o pré-sal é
o ponto central dessa reestruturação.
O pré-sal some do programa da Rede. Em relação aos combustíveis fósseis,
a única menção é à necessidade de reduzir sua utilização por questões
ambientais.
No capítulo energia, o programa perde-se em análises recorrentes sobre o
novo modelo elétrico e na defesa sonhática de formas alternativas de energia,
como se a energia solar e a eólica pudessem dar conta do recado de garantir
energia para as próximas décadas.
Políticas de conteúdo nacional não se limitam meramente a assegurar um
percentual de produtos nas compras públicas. São o ponto de partida para programas
de capacitação, envolvendo a cadeia produtiva, universidades, atração de
tecnologia externa, treinamento, cursos técnicos. São peças essenciais para
permitir saltos de qualidade na cadeia produtiva.
O programa da Rede limita-se a aceitar os programas de conteúdo nacional
existentes, "desde que com data marcada para terminar". A ideia
central continua sendo a de abrir o país para a competição externa, como se a
invasão de importados e a queda da indústria decorressem da falta de competição.
Terceiro movimento: a
política macroeconômica
É aí que se revela amplamente a política econômica da Rede.
Ampliação dos direitos sociais, reestruturação industrial, tudo isso
depende de recursos orçamentários.
Um projeto político voltado efetivamente para o aprofundamento da
democracia social e para a reestruturação econômica, não poderia conviver com
dois vícios recorrentes que comprometem o orçamento público:
1. A política de metas inflacionaria que cria o
pior dos mundos para o orçamento público. Cada aumento da inflação dispara uma
alta dos juros que, por sua vez, compromete parcelas cada vez maiores do
orçamento público, além de destruir a política cambial.
2. Para garantir o espaço para a apropriação do
orçamento pelos juros, definem-se metas de superávit fiscal incompatíveis com
períodos de estagnação econômica.
Não difere do que vem sendo praticado por sucessivos governos, e
agravado nos últimos anos pelos problemas de gestão econômica de uma equipe
medíocre, mantida pela teimosia de Dilma..
Um upgrade do governo Dilma exigiria uma mudança corajosa nesse modelo
do tripé econômico, definindo um combate radical às heranças remanescentes da
inflação inercial, substituindo as metas inflacionarias por outras formas de
articulação das expectativas e, principalmente, desatrelando a dívida pública
da política monetária do Banco Central.
É mais fácil essa mudança ocorrer com Dilma do que com Marina. Dilma
abraça o tripé por não dispor de uma equipe com fôlego para propor políticas
alternativas. Já no grupo de Marina, o tripé é sagrado.
Conclusão
O programa é relevante – seria mais não fossem os recuos inacreditáveis
– por levantar temas dos novos tempos, conceitos contemporâneos, principalmente
partindo de organizações sociais que promovem um arejamento no pensamento
anacrônico da chamada elite empresarial.
Mas é evidente que o resultado final não é a ruptura com dogmas que
seguram a transição para os novos tempos. Pelo contrário: reforçam a submissão
do país a um modelo econômico que se esgotou globalmente.
2 comentários:
Suas reflexões reforçaram meu parecer político-partidário... Ainda assim, há um saldo muito devedor em minha tomada de decisão. Parabenizo-o pela elucidação.
Abraço.
As nossas campanhas publicitárias políticas, como tantas outras, são fartas de informações mentirosas. Vivemos uma crise econômica mundial sem precedentes. Os publicitários passam uma ideia ao eleitor que o governo brasileiro é incompetente. Na verdade há uma luta heroica para manter o PIB positivo, certamente os neoliberais, não poderiam fazê-lo. Marina quer terceirizar a administração das estatais. Isso foi feito na Grécia e a falência social é a realidade daquela nação.
-Célia Abs
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