20.1.10

CEM ANOS DE NOEL

Ventura Picasso
CADERNO VIDA 22/01/2010

Especial p/Folha da Região

Pra começo de conversa, a partir de hoje o nosso compromisso, neste 2010, é com NOEL ROSA. Começou como ele gostava, no quarto dia de janeiro. Ano bom começa assim. O carnaval de 1935 marcou para sempre o Pierro Apaixonado. Noel cantava o que vivia, nos botequins onde vivia:
“A colombina entrou num butiquim/Bebeu, bebeu, saiu assim, assim

Dizendo: pierrô cacete /Vai tomar sorvete com o arlequim”.

Composição: Noel Rosa-Heitor dos Prazeres

Em Vila Izabel, no lado bom do lugar e por isso protegido por Deus, em 11 de dezembro de 1910, duro de nascer, sacado a fórceps chegou à Vila com a cara quebrada, o maior poeta da nossa história. Noel Rosa é o criador do padrão comportamental brasileiro. Ao final de cada fato, o ato vira piada.

Na alegria e na tristeza, na saúde ou na pior, na fartura e na dureza na gargalhada tira uma letra, um samba. Samba naquele tempo era palavrão. Música de pretos, de malandros e de Noel. Tudo a sua volta era samba e cerveja gelada para congelar e matar o bacilo de Koch.

Irreverente, educado, em tudo que via e ouvia as contradições, nos botecos, no morro, na cidade ou na sala de aula: “Professor, posso mijar no seu bolso?”
− Sim, mas não demore.
O homem era surdo. Noel perdia o amigo, não perdia o gancho.

O ano inteiro é pouco para lembrar o ‘Poeta da Vila’. Viveu 26 anos, produziu em oito anos, entre musicas e letras um cartel com mais de 250 trabalhos. Un passan, o ‘Cronista do Brasil’, criou muitas frases de efeito, poemas, poesias e crônicas.

Quem vive às voltas de regimes políticos autoritários, não se perde. E o Poeta da Vila Izabel, idealista, não era bobo. Ouvia atentamente as histórias contadas pelo tio sobre a crise interna, a queda dos preços do café, a depressão e a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, 1930.

Naquele carnaval, o mundo quebrado, a sátira “Com que roupa” encantou a nação. Sem dúvida, uma critica as intenções desconhecida da ‘Revolução de 30’ de Vargas. Ninguém sabia se o governo optaria pela camisa preta fascista, ou a vermelha comunista. Qualquer semelhança é mera coincidência, vi esse filme em Araçatuba.

O ‘pai dos pobres’ ainda não havia adotado a filharada, Noel indignado com a injustiça social, lascou o primeiro verso do "Com que roupa", na clave de sol do Hino Nacional:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas (“A-go-ra vou mu-dar mi-nha com-duta”), o arranjador Homero D’ornelas, vendo o estrago latente, quebrou o verso antes do escândalo. E o samba parnasiano arrasou nas noites cariocas.

Morreu tuberculoso em 4 de maio de 1937, na casa onde nasceu. Nesse dia Araci de Almeida gravava, de Noel, a última composição: "Eu sei sofrer".
Antes porem, em março, compôs "Último desejo". Amou intensamente Ceci, mas casou com Lindaura. “A Lapa nunca mais voltou a ser a Lapa”.

O carnaval vem aí, é possível montar num reboque duas meninas escolhidas por algum carnavalesco para representarem os amores de Noel. O Napo (Jorge Napoleão Xavier), em maio de 2007, escreveu numa das suas crônicas que o Manuel Medeiros Rosa, pai de Noel, morou aqui (+ou− 1914). Em nome do pai, Noel merece a nossa homenagem.


Ventura Picasso – Grupo Experimental AAL – 20012010

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