http://www.brasil247.com/pt/colunistas/cassiovilelaprado/257092/Necessidade-Sexualidade-e-Capitalismo-Equivoca%C3%A7%C3%B5es-do-Desejo.htm
Escritor - Cássio Vilela Prado
Desde sempre a humanidade foi construída pelo
confronto de seus habitantes. Além da permanente falta para suprir as
necessidades mais básicas como a alimentação e o abrigo contra as tempestades,
o frio, o sol e os ataques físicos animais, surgiu uma outra demanda,
supostamente mais difícil de solucionar: a demanda de amor do outro e o desejo
de poder, as duas sempre de mão dada, pois se tenho o amor do outro,
supostamente tenho o poder.
Na medida que o homem evoluía, tanto em seus
aspectos físicos-biológicos – a evolução do lobo frontal, a postura ereta, a
descoberta do fogo, a invenção da roda, os medicamentos diversos... – como nas
suas conquistas psicológicas – a criação da linguagem humana, a capacidade para
pensar, a consciência de si e do mundo, a reflexão... – talvez se pudesse
conjecturar ingenuamente que a grande demanda pelas necessidades materiais
fossem se equacionando, apesar da escassez desses recursos básicos, ou seja,
com a evolução geral da humanidade talvez o homem fosse capaz de equivaler-se
de forma mais equânime naquilo que ele mesmo criava (produto – oferta) com a
demanda (necessidade) do mercado.
É importante ressaltar que esse modelo
socioeconômico, gerador do mercado, teve a sua insurgência no pós-feudalismo,
com a ascensão da burguesia e com o declínio político da monarquia, embora já
existisse o mercado dos mascates e o escambo. Outrora, ainda sem existir o
dinheiro, talvez as primeiras moedas cunhadas em bronze, prata ou ouro tivessem
o seu valor apenas pelos seus próprios pesos e pela escassez de sua obra-prima
na natureza.
Apesar da teoria macroeconômica original do
economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832) – Lei de Say: "A oferta
de um produto sempre gera demanda por outros produtos." + "A oferta
cria sua própria demanda." (Artigo: A verdadeira Lei de Say e não a
distorção keynesiana), – ter sido veemente contestada por pensadores como John
Stuart Mill (1806-1873) e Karl Marx (1818-1883), cada um deles a seu modo,
quais foram os fatores determinantes que acirraram a impossibilidade da
"oferta x consumo" se aproximar a uma curva de equilíbrio,
independentemente dos chamados ciclos econômicos?
Para Say, a oferta de um produto e agregados
criariam as demandas e o consumo, e não o contrário, em que o consumo
deflagraria a produção, tendendo assim a um certo equilíbrio macroeconômico.
Entretanto, para Keynes, a Lei de Say desconsiderava os ciclos econômicos que
afetavam, sobremaneira, esse equilíbrio entre oferta e consumo, provocando
grandes estoques de mercadorias produzidas para pouco consumo equivalentes.
Keynes ainda avança a perspectiva de Say ao apontar o lucro dos produtores como
fonte de acúmulo de capital gerador de poupança, investimentos em imóveis e
títulos mercantis, obrigando o Estado a intervir na vida econômica, também em
virtude do desemprego ocasionado pela queda da produção decorrente da
diminuição do consumo e da regulação dos estoques.
Marx faz uma crítica ferrenha a Keynes, trazendo
uma outra leitura das relações humanas e econômicas centrada na luta de
classes, em que o lucro (o capital) acumulado pelos produtores se dava em
virtude da mais-valia, em que a mão de obra da classe operária produtiva é o
fator determinante do acúmulo de capital pelos produtores detentores dos meios
de produção devido ao valor do trabalho não pago, portanto o trabalho espoliado
seria a principal fonte do capital que não vinha diretamente do lucro da
mercadoria em si mesma.
Assim, no percurso da história social-econômica da
humanidade, "a evolução" biológica, material, psicológica e científica
do homem parece não ser importante nem determinante para o equilíbrio entre as
necessidades humanas e a sua repleção correspondente, muito ao contrário, o que
se viu e se vê é uma "outra forma de equilíbrio" no qual o acúmulo da
riqueza recai apenas no bolso de poucos produtores e especuladores financeiros
(os chamados capitalistas), dividindo assim apenas entre eles o capital gerado
pela força produtiva. Por outro lado, o equilíbrio também se efetiva e se
intensifica entre a classe desprovida dos meios de produção, os trabalhadores,
os quais se mantêm em um perfeito equilíbrio ao dividirem entre si a miséria da
mais-valia, restando-lhes, desde os primeiros tempos econômicos o circo, as
migalhas de pão e o álcool entorpecedor de seus calos e de suas alienadas
resignações.
Neste sentido, existe de fato o tão sonhado
equilíbrio social-econômico, de um lado os patrões-caviar, de outro, os
trabalhadores-sardinha. A divisão de classes foi a resposta encontrada pelos
próprios homens para chegar ao equilíbrio social e econômico, contudo, de forma
sutilmente perversa, velada e consentida. Assim, foi necessária a aceitação do
acordo coletivo perverso, a humanidade passa a mostrar a sua face
sadomasoquista. Dessa forma, esse fundamento psicológico do capitalismo deve
ser entendido em "outro lugar".
Possivelmente, uma resposta especulativa à essa
"fissura", esse "splitting" socioeconômico da humanidade
não esteja na esfera apenas das Ciências Econômicas, mas quem sabe se possa
especular num campo subjacente, ou latente à ordem econômica dos bens
produzidos e adquiridos pelos homens, esse Homo Sapiens estranho, cheio de
desejos, emoções e afetos diversos, Homo Sexualis Economicus, gerenciado pela
potência de sua "vontade inconsciente", embora isso escape ao seu
controle racional, imprimindo a sua política econômica puramente libidinal.
Assim, retornamos indubitavelmente àquilo
mencionado mais acima, quando se atenta mais de perto e cuidadosamente ao
perigoso terreno do imaginário da sexualidade com o seu poder engendrado nas
subjetividades: "a demanda de amor do outro e o desejo de poder".
Say, Keynes, Stuart Mill e Marx não contavam com a
genialidade de Sigmund Freud (1856-1939) com a sua implacável Psicanálise,
inaugurando um novo mercado econômico sexual e uma teoria geral das trocas
mercantis libidinais, assim como a sua lógica dinâmica da produção, da oferta,
do consumo e do poder adstrito na acumulação material e simbólica de bens e do
capital em seu solo subjetivo topológico.
Talvez um "chute no saco" e na "bunda"
dos economistas, pois as suas teorias não estão isentas da força de seus
inconscientes sexualizados, impondo às suas penas à tinta a correlata mantra do
desejo sexual, de onde saem fezes, sêmens e salivas em forma de produtos
ofertados em busca da simétrica demanda correspondente aquisitiva, gerando em
ambos os lados opostos o poder de venda assim como o poder de compra, numa
espécie de romance sexual econômico, dinâmico e topológico, no qual se busca o
poder de amar e de ser amado pelos e com os outros personagens dessa trama
humanoide.
Além da lógica capitalista moderna inaugurada pela
ascensão histórica da burguesia culminando com a Revolução Industrial, a
mentalidade apropriativa e cumulativa dos antigos Césares ganha a sua acentuada
força na contemporaneidade com a cópula do capital mais a tecnociência,
inundando o nosso planeta com as cifras (sobretudo a falta delas), produzindo,
massificando e moldando as subjetividades do grande e dócil rebanho terráqueo.
Com Freud e a sua Psicanálise, as relações de
trabalho entre os homens são determinadas pelas suas posições subjetivas diante
do outro homem, é uma relação entre sujeitos, cada qual com as suas
especificidades psíquicas estruturais. Além da necessidade do sexo para a
procriação da raça humana, anterior ao mercado de trabalho, os sujeitos trazem
em si, desde a mais remota infância, as suas formas de ser, com os seus
desejos, fantasias, amores e modelos de assujeitamentos ao outro e à norma
cultural.
Produzem, vendem, compram, acumulam e gozam... Ciclos
econômicos repetitivos, as relações humanas e sociais centradas nessa lógica
mercantil sexual gozante herdada e adquirida, imperativa na humanidade, na
esperança de que, assim fazendo infindavelmente, os sujeitos vendedores e seus
respectivos compradores encontrem os seus objetos libidinais no mercado sexual
global, pois essa economia libidinal sem garantias nem lastros monetários em
seu cerne faz com que os sujeitos envolvidos na trama armada pela mentalidade
histórica do capitalismo selvagem indelével escoem apenas parte da produção
material libidinal, inflacionando o mercado subjetivo humano, acarretando o
constante acúmulo da tensão pulsional tanto na subjetividade produtiva quanto
na consumidora, dificultando um possível encontro orgástico, haja vista o
desequilíbrio entre oferta e procura, com a Psicanálise, entre o desejo e a sua
realização impossível. Parece que estoque libidinal represado e o gozo do
consumo desvairado não respeitam nenhuma lei regulatória senão a sua própria
lei tirana de produção e consumo a todo custo.
Não foi à toa que Freud nos disse que o pior
inimigo do homem é o próprio homem, portanto não são as necessidades materiais,
a fome ou o nosso próprio corpo decadente, mas o outro ser humano, aquele com o
qual se ilude e se frustra, tendo em vista a impossibilidade de completude,
pois o outro, mais cedo ou mais tarde se revela um ser faltoso, "sem cash
libidinal suficiente", porém castrado ou denegador de sua incompletude. Ou
se é portador imaginário de uma força monetária e sexual, ainda assim ele
permanece incompleto, pois a sua suposta potência capital libidinal não se
satisfaz plenamente com os seus objetos cumulativos, muito menos tem o poder de
encanto sexual permanente, o espelho sempre se trinca.
Afora a importância das teorias econômicas
racionalistas, hoje já se vê claramente a utilização, de forma perversa, de
certos pressupostos psicanalíticos aplicados ao mercado, como a desesperada
transformação fetichista dos objetos de consumo em "objetos causa do
desejo" – "objeto a" para o psicanalista Jacques Lacan
(1901-1981) –, disseminando que se esses objetos ofertados e
"fetichizados" forem consumidos, se pode ser feliz plenamente, pois
ao adquiri-los é possível atingir o clímax do orgasmo material e sexual.
Todavia, o merchandising perpetuador e mantenedor
do establishment global em poder dos produtores e acumuladores de fezes
(capital), estuprando as subjetividades e corrompendo o desejo dos
"sujeitos mão de obra consumidora alienada", jamais comunicará nas
prateleiras dos shoppings e supermercados que os seus produtos ofertados são um
grande engano objetal sexual produzido pelas táticas de mercado, fraudando a
voraz libido que não se engana, pois ela não conhece as leis regulatórias do
mercado, apenas os "sujeitos adestrados" trocam "lebres por
coelhos", embora empanturrar-se de lebres não garanta orgasmos múltiplos.
Nem de coelhos ...
Talvez uma certa castração operacional subjetiva se
faça necessária, tanto para a queda do poder fálico capitalista quanto da orgia
gozante mercantil libidinosa da potência consumista.
De fato, talvez a realidade humana não se permita a
esse corte subjetivo à sua promiscuidade gozosa sadomasoquista e fetichista,
embora todos os romances, poemas e novelas escancarem cotidianamente o
impossível do amor, do encontro sexual e do grande engodo do capital centrado
na falácia do poder narcisista e do desejo sem ética.
O capitalismo assim visto é um sintoma sexual, o
"mal-estar da civilização" – Freud.
O desejo econômico é um desejo sexual impossível.