15.2.15

Crônica perdida



Ventura Picasso
Saudades desse tempo, desses dias...
É carnaval. O ano de 2015 pede passagem. O século XXI explode de amor e ódio entre os humanos. As religiões reaparecem, magicamente, punindo os pecadores. Um filme de terror em flash back com Gregório em 1231.

Inverno em Paris para quem acredita em deus, inferno no Charles Hebdo que não acredita em nada. 

Era 7 de janeiro de 2015, o ano mal começava. Lembrando Drummond de Andrade: “Que século meu Deus! – exclamaram os ratos e começaram a roer o edifício”.

A revista explodiu levando a vida dos cartunistas sem deus.

Foi o primeiro dia que a totalidade da imprensa nacional não falou: Petrobras! 

No meu termômetro, na cozinha, faltava uma pena para 40°. No jardim, ao final do dia, enquanto refrescava as plantas, Tonico apareceu. É o meu amigo beija flor, numa plumagem brilhante verde escura, fazendo malabarismos em frente ao spray de agua fresca. 

Aqui onde moro, a correnteza do Tietê, acumula mais de quinhentos quilômetros de sua nascente. O nível está dois metros abaixo. Ainda chega agua em nossas torneiras. 

Tonico pousou no poleiro improvisado frente às Acácias. O chão do jardim ficou, após agitação provocada pelo vento, amarelo.

Perguntei ao Tonico como foi a chegada do Ano Novo para ele.

— Chegou o Ano Novo? Não vi! Vejo tudo igual. A Praça Rui Barbosa está muito suja, o mato começa ficar bonito nos canteiros, agua empoçada nas alamedas. Na esquina da Olavo Bilac com Campos Salles, onde precisa, não tem faixa preferencial para pedestres. 

Sou obrigado a concordar com Tonico. Atravessar o semáforo para pedestres, em doze segundos é só para quem frequenta academia, não há velha que consiga. 

Tonico olha aí quem está chegando o bem te vi. 

— Ben?

— E aí, beleza? Qual é o papo Tonico?

— Faixa para pedestres.

— Faixa? Desça a Rua Marechal Deodoro da Fonseca e olhe em todas as esquinas  do lado ímpar – você encontra lixo – faixa para pedestres na Rua D. Pedro II, na Rio Branco e na Virgílio Ribeiro (?) ninguém encontra. O secretário, o primeiro escalão e o segundo, a santíssima coligação da governança não sabe onde fica essa praia.

Ben é um bem te vi anarquista e preconceituoso. Quando encontra com o anu preto Zumbi é só pena que voa. Zumbi não tem onde reclamar, mas reclama por ser perseguido.

— Não tenho preconceito de cor, nem tanto. O cara chega aqui todo soado, sujo de poeira, e mergulha no bebedouro. Não é por ele ser preto, mas por ser porco. Aprendi com a delegada Rosely, pisou na bola: “É tiro, porrada e bomba”. O cara vai aprender a viver em sociedade.

O jornal não chegou liguei reclamando: 
— Não recebi o jornal!
 
— Qual é o seu nome?

— Ventura

— A sua assinatura foi cancelada.

— Que ótimo!

A menina deixou escapar aquele riso, tipo explosão, que quer sair mas não sai.
— Com voz risonha perguntou: o senhor não quer fazer uma nova assinatura?

— Não meu bem, muito obrigado.

Há algum tempo desisti do jornal escrito. Não sou e nunca fui nada importante para o jornal, para o editor chefe, para os jornalistas e fotógrafos, e a tantos quantos estão envolvidos no projeto de produção do jornal diário.

Mas, qual foi o drama? Perguntaram Tonico e Bem.

— Durante a campanha eleitoral fui informado através de uma fotografia que sou apenas um leitor insignificante. Demorou em cair a ficha, assim como no texto sou obrigados a ler e reler, ao visualizar uma foto uso a mesma tática. Tratava-se de uma foto dos dois candidatos à presidência da república no segundo turno. Um candidato, bem focado, sorridente e aparentemente amável conversando com o meu candidato. O meu candidato, consequentemente, bem focado com os cabelos alinhados vestido de vermelho, de costas. O meu candidato no meu jornal estava de costas para mim.

— Ventura, o Bem acha que o jornal tem outro candidato. O jornal é enrustido – aquele tipo anônimo que ninguém gosta – nem o próprio jornal. Falta amor próprio. Respeito!

— E as palavras cruzadas?
Perguntou dona Edna.

— Tudo bem, patroa: eu consigo os dois jornais para a senhora. Pelo menos nas palavras cruzadas eu acredito, mas no conteúdo não.

No labirinto das mentiras políticas cabe apenas uma crônica perdida; não mata como bala, mas abala meus sentimentos, fere e ofende a minha dignidade.

Ventura Picasso

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4 comentários:

Rita Lavoyer disse...

ÔÔÔÔ, meu amigo! Não engoliu ainda a candidata de costas??
Deveriam ter colocado os dois de costas.
Quanto aos mau feitos das praças, das ruas, das faixas de pedestres, como pode, né, amigo?
Como pode dizer que faria tanto e nem faz para os idosos, principalmente os que ainda votam...???
Talvez quem governa o espaço que você reclama acha que é melhor os idosos serem atropelados, menos despesas para a Previdência.
Pra que limpar as ruas citadas...
sujeira é bom, acumula ratos.
ÔÔÔ Picasso, meu amigo. sinto a tua dor em mim.
se não fosse tão madrugada, sairia nesta chuva para acalentar-lhe a alma, esta alma de ideais feridos e de garganta cheinha de dignidade que precisa gritar.
Nessa questão, amigo, somos todos Zumbis.

Ventura Picasso disse...

A displicência administrativa do governo municipal é o que predomina no resto do país. Essa preguiça vaidosa começa sempre nos municípios. A população que vigia e cobra soluções do governante colabora para impedir a corrupção. Nos falta a bancada/lobby do povo. Os nossos opositores possuem bancada do governo, base governamental e nós possuímos apenas o voto. Mas, não adianta votar se não aprendemos a fazer um estudo sobre conjuntura política. Os jornais estão preocupados?

Elaine Crespo disse...

Nunca mais tinha passado no seu blog, mas a perfeição continua. Você é imbatível, Ventura; amei o texto e a forma que se expressa.
Vou voltar a passar aqui e a postar no meu blog.
Um grande abraço, meu amigo.

Ventura Picasso disse...

Elaine que bom. A gente evolui trocando opiniões, ideias e experiências. Esteja a vontade ´estou feliz com sua visita. Abração.