“A prisão
de Bolsonaro inaugura uma nova relação do Brasil com a lei”, diz psicanalista. Luciano
Elia afirma que condenação do ex-presidente e de generais rompe tradição de
impunidade e marca virada histórica para a democracia
07 de
dezembro de 2025, 06:10 h
“A prisão de
Bolsonaro inaugura uma nova relação do
Brasil com a lei”, diz psicanalista (Foto: Divulgação)
Conteúdo postado por: Dafne Ashton
247 - A prisão do ex-presidente do Brasil
Jair Bolsonaro e de militares de alta patente envolvidos na tentativa de golpe
que se seguiu às eleições de 2022 marca, segundo o psicanalista Luciano Elia, uma
inflexão sem precedentes na história nacional. As declarações foram dadas
no Papo Curvo, da TV 247, onde Elia defendeu que o país vive um momento
raríssimo, capaz de redefinir a relação institucional e subjetiva dos
brasileiros com a lei.
Para o
psicanalista, a confirmação das penas superiores a 20 anos e o início do
cumprimento de sentenças por Bolsonaro e por generais representam um
acontecimento que rompe uma longa cadeia de indulgência estatal diante de
rupturas institucionais.
Ao revisar a
longa sequência de golpes, tentativas de ruptura e anistias que atravessaram a
República desde 1889, o psicanalista afirmou que a condenação atual rompe um
padrão profundamente enraizado. Para ele, o país sempre conviveu com uma
lógica em que o poder militar se sobrepunha às instituições civis. “Quem faz a
lei no Brasil é o militar”, disse, ao realçar a persistência do autoritarismo
armado como força definidora do Estado brasileiro ao longo de mais de um
século.
Elia
considera que a punição dos envolvidos na conspiração golpista — incluindo
Bolsonaro e generais condenados a penas superiores a 20 anos — produz efeitos
que extrapolam o campo jurídico. Segundo ele, trata-se de uma transformação
simbólica expressiva, capaz de alterar a relação da sociedade com a lei. “Penas
reais, mais de 20 anos de cadeia para crimes que fazem jus a essas penas. Isso
nunca ocorreu no país”, afirmou, ao enfatizar a excepcionalidade do
momento.
O
psicanalista também observou que o STF, frequentemente criticado por decisões
controversas no passado, assumiu agora um papel de sustentação firme da
legalidade democrática. Em sua avaliação, a Corte passou a exercer uma função
simbólica essencial: impor limites ao autoritarismo. “O Alexandre de Moraes está fazendo a lei funcionar como limite a um
gozo irrefreado, um gozo fascista”, afirmou, destacando a importância de
impedir que setores extremistas operem acima das normas constitucionais.
Elia
insistiu que a gravidade das condutas deve ser nomeada com precisão. Para ele,
os envolvidos constituem uma “organização criminosa”, e suavizar essa
caracterização seria abdicar de chamar a realidade pelo nome. “É preciso
enfatizar que se trata de crime. Essas palavras não devem ser mitigadas”,
declarou.
Ao abordar
as tentativas de atribuir comportamentos de Bolsonaro a supostas alterações
psiquiátricas, o psicanalista rejeitou qualquer tese que utilize diagnósticos
para relativizar responsabilidade penal. Ele classificou como equivocada a interpretação que busca
explicar condutas políticas pelo campo da psicopatologia. “Crime é coisa de
neurótico”, disse, observando que patologizar o ato criminoso acaba por
desviá-lo de sua natureza e de sua necessária responsabilização.
O impacto
simbólico da punição dos militares também foi sublinhado por Elia, que
discordou parcialmente da tese segundo a qual os altos oficiais se tornaram
politicamente prescindíveis para a reprodução do capital no país. Embora
considere plausível que não sejam estratégicos para interesses econômicos, o
psicanalista vê um efeito que transcende a análise estrutural. Para ele, a
imagem de generais sendo conduzidos à prisão mexe com a memória coletiva e com
o imaginário sobre autoridade e poder. “Eles condensam inúmeros militares
torturadores e golpistas”, afirmou, ao defender que o efeito simbólico não
deve ser subestimado.
O
psicanalista concluiu que o Brasil atravessa um momento de profunda
transformação, cujos significados ainda estão em elaboração, mas cujas
consequências serão duradouras para a democracia, para a cultura política e
para a própria percepção social da lei. Em suas palavras, a prisão dos
responsáveis pela tentativa de golpe não apenas interrompe uma tradição de
impunidade, mas redefine o horizonte político e institucional do país.
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