A internet transformou o “idiota da aldeia” em portador de uma suposta verdade universal
23 de
dezembro de 2025, 07:13 hAtualizado em 23 de dezembro de 2025, 07:37 h
Ilustração
com ícones dos aplicativos Facebook, TikTok e YouTube em um smartphone - 27 de
outubro de 2025 (Foto: REUTERS/Dado Ruvic)
A tese aqui
não é minha - embora eu a subscreva em número, gênero e grau. Ela é de Umberto
Eco, filósofo e escritor italiano, que teve a rara lucidez de sintetizar um
fenômeno contemporâneo com precisão cirúrgica: a internet deu voz aos imbecis.
Antes, essas figuras tinham suas opiniões restritas às mesas de bar, geralmente
depois de alguns goles de cerveja, onde causavam no máximo constrangimento aos
mais próximos. Como suas ideias ficavam confinadas aos círculos informais, não
produziam dano coletivo relevante. Ideias ruins, preconceituosas ou
simplesmente estúpidas exigiam esforço, mediação e legitimidade para circular.
A internet
implodiu esse filtro. Transformou o “idiota da aldeia” em portador de uma
suposta verdade universal, capaz de inundar o espaço público com ruído,
simplificações grotescas e informações falsas. Os especialistas formados nas
universidades dos buscadores passaram a reivindicar o mesmo estatuto daqueles
que dedicaram uma vida inteira ao estudo sério e rigoroso de seus campos de
conhecimento. O resultado é um ambiente em que opinião vale tanto quanto
evidência, achismo disputa espaço com método e ignorância se apresenta com a
mesma segurança de quem realmente sabe do que está falando - quase sempre
protegida pelo anonimato ou pela lógica da turba digital.
É essa
ausência absoluta de filtro que permite, por exemplo, que circule - e pior,
seja reproduzida com convicção - a tese de que um comercial das Havaianas seria
um ataque deliberado à direita brasileira. A ideia é tão estapafúrdia que se
torna difícil acreditar que pessoas com mais de meio neurônio funcional,
especialmente no lado esquerdo do cérebro, consigam levá-la a sério. Não há
subtexto ideológico, não há mensagem cifrada, não há complô. Ainda assim, o
debate prospera. Só mesmo a hipótese de Eco ajuda a explicar seu alcance:
apenas uma sociedade densamente povoada por milhares - talvez milhões - de
“idiotas da aldeia” poderia servir de terreno fértil para tamanha sandice.
E, uma vez
aceito esse delírio como plausível, abre-se a porteira para todo tipo de
absurdo lógico. Amanhã, talvez, exijam que montadoras deixem de colocar seta e
sinaleira do lado esquerdo dos carros, porque isso privilegiaria um “viés
canhoto”. Cidades poderiam ser pressionadas a proibir conversões à esquerda,
sob acusação de militância disfarçada no código de trânsito. Marcas de relógio
seriam atacadas por usar modelos com o acessório no pulso esquerdo, e fábricas
de meias, acusadas de doutrinação por exibirem o pé esquerdo em suas
embalagens.
No limite,
qualquer convenção cultural, técnica ou linguística pode ser reinterpretada
como conspiração. Não porque haja sentido nisso, mas porque a lógica deixou de
ser um critério relevante. Quando a estupidez ganha megafone, o absurdo deixa
de ser exceção e passa a disputar normalidade.
Eco estava
certo. O problema nunca foi a liberdade de expressão. O problema é quando ela
vem desacompanhada de responsabilidade, senso crítico e, sobretudo,
inteligência mínima para distinguir o razoável do ridículo.
Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas
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