24.8.25

A cor azul da decadência

 

A metanfetamina azul virou assinatura visual de uma economia do desespero

24 de agosto de 2025, 14:49 h

Bandeira dos EUA no Departamento de Justiça - 15/12/2020

Bandeira dos EUA no Departamento de Justiça -                                                                                                                                                        15/12/2020 (Foto: REUTERS/Al Drago)

Da carne fluorescente de javalis ao cristal azul de Breaking Bad, dos surtos de peste ao avanço do fentanil, os Estados Unidos expõem na cor de seus venenos a falência de um império.

O país que vendeu eficiência como identidade tropeça numa crise que se tornou rotina, um ciclo de mortes por fentanil, um governo que transforma tragédia de saúde pública em justificativa para taxar vizinhos e rivais, um tabuleiro comercial usado para encobrir a incapacidade de cuidar da própria população. O tarifeiro laranja invoca a epidemia de opioides para endurecer com China, México e Canadá, gesto que amplia a sensação de cerco e sinaliza um isolamento autoinduzido, enquanto a curva de overdoses segue pressionando famílias e cidades inteiras.

No front ambiental, a cena é de ficção científica gore, javalis com carne azul brilhante surgem na Califórnia, efeito colateral de raticidas tingidos de azul que escorrem pela cadeia alimentar e chegam ao prato do caçador desavisado. É a cor da negligência, um alerta sobre química agrícola descontrolada, fiscalização frouxa e um modelo de produção que transforma veneno em paisagem.

O subterrâneo também fala por meio de pulgas e roedores, a peste reaparece em território estadunidense, tratável, mas simbólica, porque expõe um país que desaprendeu ciência, prevenção e cuidado contínuo. As autoridades reconhecem que a doença persiste em reservatórios de roedores e que os Estados Unidos ainda registram casos todos os anos. A lição é direta: sem vigilância de base e serviço público forte, até fantasmas medievais encontram brecha para circular.

A cultura pop já havia dado o recado em Breaking Bad: a metanfetamina azul virou assinatura visual de uma economia do desespero, um professor sem cobertura de saúde, uma família sem rede de proteção, um país que empurra seus doentes para o mercado da dor. Na série a droga é azul, no campo a carne virou azul, dos dois lados um sistema que tinge a realidade com a química da precariedade. Nos bastidores da produção, o “cristal azul” era doce colorido, mas o símbolo pegou porque dialoga com a materialidade da crise, dependência disseminada, laboratórios clandestinos e uma cadeia industrial que abastece o vício com precisão logística.

Assim, a fotografia geral se compõe sem esforço, opioides que devastam bairros, carne fluorescente que acusa o veneno no campo, pulgas que carregam bactérias ancestrais, tarifas que multiplicam atritos com aliados e parceiros. A retórica de potência tenta encobrir o barulho, mas o ruído vem do chão, dos hospitais lotados, das morgues e das prateleiras de isca azul. Quando a política externa vira extensão da guerra contra o próprio espelho, o resultado é um país mais só, cercado pelas consequências de suas escolhas, péssimas escolhas. A decadência tem a cor laranja das prisões superlotadas, dos uniformes que marcam a exclusão social, da violência institucionalizada contra imigrantes, a cor que estampa o rosto de Donald Trump. É nessa tonalidade que o império revela sua falência, não como exceção, mas como regra.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

 

 

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