19.12.06

Contos mínimos - 2


Não era dia de trabalho, mas intimado, saiu procurando os presentes das cunhadas. Na Praça Quinze, pescoçando os preços, entre a multidão e sem querer, é levado para o Largo da Carioca, lá onde todos pedem tudo: malabaristas, cínicos que pedem ajuda pelo amor de Deus. Outros não pedem, levam. Bilheteiros na gritaria: ”Vaca, galo, porco...”. Capiongo, envergado, encosta a cabeça na vitrine, baba encarando os preços.
A mulher poderia ser mais disposta, ter ido atrás, comprado os trecos das irmãs, enfim, dado um tiro no pepino. Mas, ele? Ele não, o cara não entende dessas coisas. Desistindo pega a reta. Viu um boteco, entrou de mansinho, olha a estufa tufada de bolinhos, a sujeira embaça os azulejos, mesmo assim lambe os beiços e de boca molhada, entre moscas embirradas grita: “Hei, uma lata redonda, trincada”.

A menina pernuda do Bar do Porco, micro saia, atrás do balcão envidraçado, virada pra ele ajoelha, faz uma graça joga a lata e vai sorrindo pegar o troco. O cara pega na direita, sem limpar a boca da lata, com um arranque do dedão gordalhudo, a tampa é arrombada. Tomba na boca chupando com os miolos torrando: “O que fóde é trabalhar no feriado, pagar as Casas Bahia e comprar badulaques pras cunhadas, obedecendo as ordens da mulher”.

1136
Intertextualidade
Adaptação: Ventura Picasso
Conto “As três cunhadas” de João Antonio

0 comentários: