23.1.14

Vida roubada



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Esta já é "arrumada"
Crônica: Vida roubada de Larissa Alves.
Saiu hoje, 22/01/2014 no Jornal Folha da Região de Araçatuba.
Praça Rui Barbosa  Igreja Matriz


Nesse caminho de volta...passo a passo...nos encontros que a vida deu de promover... ando ouvindo a respeito de meu pai.

Meu pai?

Dizem que morreu num repente... mas acho eu, que foi morrendo aos poucos... embora pareceu viver foi muito.

Oxe... meu pai vivia de exagero... nunca economizou alegria... perdulário
de afetos e emoções... foi como foi.

Meu pai, Jorge Alves, foi engraxate na terra do boi. Não tinha juízo esaiu de Araçatuba pra ser doutor lá em Curitiba. Estudou, se formou, fez família, foi pra São Paulo e ficou por lá.

E foi num repente que ele se foi. Foi num domingo quente. Desses que a gente sai o dia todo pra passear... e quando volta...tem tempestade, tudo mudou.

Meu pai morreu num repente. Mas pra mim, sempre pareceu que foi diferente. Vi meu pai morrendo aos poucos... foi gastando a vida desse “jeitin” assim, correndo atrás nem sei de quê.

Coisa interessante essa que dá de se ver acontecer na vida. Foi preciso falta de juízo pra ir ser doutor lá no sul... e dizem que foi a falta de juízo que o levou. Dizem que exagerou na dose, exagerou no sonho, exagerou na estrada da vida... e um tanto mais de exageros assim.

E o que sei, ó menino... é que, no fim, deixou esse vazio, esse susto... em um acidente de carro, em um domingo, em 1987.

E se fosse só isso, já era dor demais pra eu conseguir te explicar... mas foi não... foi não... Nesse acidente meu pai não foi sozinho. Foi um domingo que levou minha irmã junto com ele.

E é tanta dor e saudade tanta, de um tamanho assim, ó menino... foi tanto susto, que nunca consegui explicar.

E se fosse só isso... mas nem pude me despedir. Nem antes e nem depois... não pude me despedir.

E ainda hoje falam... falam da alegria dele... do coração bom demais... falam do doutor... ainda falam da falta de juízo...da alma de moleque...falam que morreu novo demais... falam do susto, do vazio e da saudade. Mas pra mim... meu pai foi é morrendo aos poucos..

Sei te dizer que meu pai queria paz, mas vivia afobado demais... perturbado... aflito... sempre teve falatório demais... muito barulho... muito veneno... "burburinho"... maledicência... e naqueles dias, a paz era coisa que a gente nunca chegava a ver.

Muito barulho..."burburinho"...pouca paz.

O falatório incomodava, perturbava, levantava muros. Derrubava e queimava pontes... e meu pai corria pelas estradas da vida...querendo viver apesar desse tanto. E aconteceu um acidente... num domingo quente, numa estrada e foi num repente que nem deu pr’eu me despedir.

Ficou um tanto de coisa de mal explicada... Ficou o susto... ficou a aflição no domingo quente, sempre esperando a tempestade. E eu sigo num ritmo diferente, num ritmo aflito, com medo das esquinas, sigo pegando a estrada, passo a passo, um de cada vez.

Dizem que é coisa da vida... só não dizem que é coisa que transforma a gente e muda o ritmo que a gente tem. E o que dá de seguir é com esse ritmo diferente... passo a passo, dia a dia... que outro jeito nem tem de ser.

Pela fé e pela graça, um dia de cada vez, que outro jeito nem tem de ser.

E a cada domingo, a gente vai pra casa da comadre que põe a mesa pro café. Vai falar da saudade, deixar a aflição de lado... lavar as lembranças na água da amizade e da misericórdia, graças a Deus.

E se me perguntasse pela verdade deste conto... dizem que meu pai morreu num repente, dizem que foi acidente, mas eu te diria que foi morte matada, que ele morreu por causa de fofoca.

Deixou o vazio, a saudade e o ritmo aflito. Passo a passo. Todo dia. Sem pular nem um.

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1 comentários:

Rita Lavoyer disse...

O amigo Ventura Picasso, quando quer, tira das letras até o tutano!! kkkkkkkkkkkkkkkkkkk