EMERSON
BARROS DE AGUIAR - Pastor batista, doutor em Direito e mestre em
filosofa.
9 de Outubro
de 2018 - https://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/371642/A-Igreja-e-o-%C3%B3dio-aos-pobres.htm
O
jurista Fábio Konder Comparato reconheceu que a Reforma Protestante foi,
incontestavelmente, a primeira grande revolução social do mundo moderno,
atribuindo, à palavra “revolução”, o mesmo sentido que passou a ser vinculado a
ela a partir da “Revolução Francesa”, ou seja, o de “uma renovação completa das
estruturas sociopolíticas, a instauração, ex novo, não
apenas de um governo ou de um regime político, mas de toda uma sociedade, no
conjunto das relações de poder que compõe a sua estrutura organizatória”. De
fato, longe de se constituir num arranjo ou arremedo superficial, a Reforma
Protestante revolucionou profundamente todo o tecido social dos países que a
acolheram. Não por acaso a sua deflagração coincide com a extraordinária
expansão econômica, comercial e tecnológica que observamos a partir do século
XVI nos países da Europa central e do norte.
Indústrias, universidades, escolas,
hospitais, profusão tecnológica e grandes centros urbanos surgiram no encalço
da Reforma. O desenvolvimento econômico foi associado ao respeito às leis e à
segurança social. As profundas transformações socioeconômicas decorrentes da
aplicação dos princípios cristãos restaurados e aplicados à vida social
possibilitaram o extraordinário desenvolvimento que se seguiu. Impregnada na
sociedade, a solidariedade cristã se traduziu na alfabetização em massa e na
promoção coletiva da dignidade humana.
Este fenômeno ocorreu em todos os
países do Centro e do Norte da Europa, atingidos mais fortemente pela Reforma
Protestante. Na Inglaterra, em 1780, Robert Raikes iniciou o movimento das
Escolas Bíblicas Dominicais, que teve um impacto tão importante sobre a
diminuição do analfabetismo, da pobreza e da criminalidade no país, que se pode
afirmar que o panorama social da Inglaterra se alterou completamente devido a
sua atuação. Todo o sistema público de educação inglês foi criado a partir das
Escolas Bíblicas Dominicais, que, além de ensinar as letras, também vestia e
alimentava as crianças que atendia. Era notória a opção da Escola Bíblica de
Raikes pelos pobres. Ela não reservava algumas “bolsas”, mas foi inteiramente
pensada e direcionada para eles.
Por que o sentimento dos ditos
“evangélicos” brasileiros em relação aos pobres parece ser tão diferente
daquele dos pais da Reforma e também do de Robert Raikes, este leigo que,
imbuído de profundo amor por Jesus e pelo seu próximo, realizou uma obra tão
extraordinária?
Quando
a Reforma chegou ao Brasil, ela não conseguiu manter o seu caráter
“revolucionário”. Em vez disso, assimilou a estrutura social já instalada na
sociedade brasileira. Aquela mesma diagnosticada por Gilberto Freire como “Casa
Grande e Senzala”. Ao pobre da Senzala pode se fazer favores, mas jamais
pretender alçá-lo aos mesmos patamares sociais dos habitantes da Casa Grande.
Para não ferir o status quo, com honrosas exceções,
a Igreja renunciou ao seu mandato social, adotando uma atuação bem mais
discreta e assistencial.
A sociedade brasileira é marcada por
uma violenta separação econômica entre abastados e miseráveis, que Cristovam
Buarque identificou como análoga àquela adotada oficialmente na África do Sul
entre 1948 e 1994, chegando a batizar o nosso próprio regime de segregação de
“Apartação Social”. Os primeiros cristãos reformados brasileiros cedo
perceberam que atrairiam para si o mesmo ódio irracional destinado aos párias
se tentassem promovê-los socialmente para além do simples alívio das suas
dores. No Brasil, qualquer tentativa de atenuar as profundas desigualdades
sociais vigentes foi sempre considerada como um ato subversivo e perigoso.
Mesmo sendo católico e clérigo, o
Monsenhor José da Silva Coutinho, conhecido na Paraíba como “Padre Zé”,
experimentou o desprezo destinado a quem tentasse aplicar o cristianismo à vida
social. Na primeira metade do século XX, o Padre Zé não apenas procurou
alimentar os pobres, mas também profissionalizá-los e encaminhá-los, através do
Instituto São José, que, entre outras ações, oferecia cursos gratuitos de
datilografia para moças de bairros periféricos. Em vez de ser reconhecido como
um benfeitor visionário muito à frente do seu tempo, foi acusado pelas
respeitáveis donas de casa da classe média de então de “estar tirando as
empregadas domésticas dos lares”.
Nada mais verdadeiro em relação ao
cristianismo brasileiro do que as palavras do grande escritor cristão Leon
Tolstói: “Os ricos estão sempre dispostos a fazer tudo pelos pobres, menos
descer das suas costas”.
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